A proteção integral da criança, prevista no art. 227 da Constituição Federal e no art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente, exige que todas as decisões que lhe digam respeito sejam orientadas pelo princípio do melhor interesse da criança. Tal diretriz impõe a análise concreta de cada caso, com vistas à garantia de seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e emocional.
A situação concreta analisada pelo STJ envolvia criança nascida prematuramente e com múltiplas comorbidades, em razão do uso abusivo de substâncias entorpecentes por sua genitora. Após acolhimento institucional, a criança foi confiada, por meio de guarda provisória, a um casal habilitado no cadastro de adoção, com quem conviveu por quase todo o seu primeiro ano de vida. Durante esse período, foram assegurados os cuidados exigidos por sua condição de saúde, sem qualquer registro de condutas lesivas por parte dos guardiões.
Posteriormente, a guarda foi revogada e a criança entregue à sua tia-avó, sem vínculo afetivo anterior. Após essa alteração, houve agravamento no estado de saúde da menor, possivelmente relacionado à ausência dos cuidados necessários.
Consoante dispõe o art. 28, § 3º, do ECA, a colocação em família substituta deve priorizar, sempre que possível, a afinidade e a afetividade. Tal previsão reforça que a afetividade deve prevalecer sobre os vínculos meramente biológicos ou formais, especialmente quando a suposta “família extensa” não mantém qualquer relação anterior com a criança.
No HC 933.391/SP, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou que a prioridade da família natural ou extensa não pode ser aplicada de forma absoluta, devendo-se privilegiar o interesse da criança, à luz do caso concreto. Nesse julgado, a Corte reforçou que a afetividade construída com a família acolhedora ou substituta deve ser levada em consideração quando existente relação estável, segura e protetiva.
Portanto, a manutenção da criança em guarda provisória com a família substituta, com quem desenvolveu vínculo afetivo durante a fase mais sensível de sua vida, representa a solução que melhor atende ao seu interesse, nos termos do art. 28, § 3º, do ECA e da jurisprudência do STJ.
A eventual entrega da menor à tia-avó, ausente vínculo anterior e sem capacidade comprovada de prover os cuidados exigidos, não pode se sobrepor ao laço socioafetivo consolidado, sob pena de violação aos princípios da proteção integral, da prioridade absoluta e do melhor interesse da criança.
RESUMO: Nos casos em que inexistir vínculo prévio de convivência ou afinidade com membros da família extensa e houver a formação de laço socioafetivo consistente com a família substituta, aliado à demonstração de cuidados adequados às necessidades da criança, deve prevalecer a manutenção de guarda com esta última, em observância ao princípio do melhor interesse da criança.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/8/2025, DJEN 22/8/2025. (Info 860 STJ).