Para a configuração do crime de redução à condição análoga à de escravo, é indispensável a restrição da liberdade de locomoção do trabalhador, ou basta a submissão a condições degradantes de trabalho?
NÃO.
A controvérsia analisada diz respeito à interpretação do art. 149 do Código Penal, que define o crime de redução à condição análoga à de escravo. Questionou-se se a configuração do delito exigiria restrição à liberdade de locomoção ou se bastaria a submissão dos trabalhadores a condições degradantes.
O dispositivo legal descreve um tipo misto alternativo, que se consuma diante de qualquer uma das seguintes condutas: submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou restrição da liberdade de locomoção. Assim, não é necessária a ocorrência simultânea de todas as hipóteses, tampouco a prova de cerceamento físico da liberdade de ir e vir.
No caso concreto, o relatório de fiscalização constatou alojamentos precários em barracos de plástico e ônibus velho, falta de energia elétrica, consumo de água armazenada em caminhão enferrujado sem tratamento, ausência de banheiros, higiene precária e refeições improvisadas em condições insalubres. Esse quadro revelou situação de exploração que comprometeu a dignidade humana e caracterizou a submissão a condições degradantes de trabalho.
O Supremo Tribunal Federal já havia consolidado entendimento semelhante no julgamento do Inquérito 3.412/AL, ao afirmar que a escravidão moderna pode se manifestar de forma sutil, por constrangimentos econômicos e sociais, e não apenas por coação física. Desse modo, basta a constatação de condições degradantes, de trabalhos forçados ou de jornada exaustiva para a configuração do crime, sem que se exija a restrição de locomoção.
Esse posicionamento, reafirmado pelo STJ, também atende aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Em suma, a proteção jurídica não se limita à liberdade de ir e vir, mas se estende à dignidade do trabalhador, que não pode ser reduzido a mero instrumento de exploração econômica.
RESUMO: A configuração do delito de redução à condição análoga à de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal, não exige a restrição da liberdade de locomoção dos trabalhadores, sendo suficiente a submissão a condições degradantes de trabalho.
REsp 2.204.503-BA, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 9/9/2025.