A conduta conhecida como “estelionato sentimental” configura ato ilícito apto a ensejar responsabilidade civil?
O denominado estelionato sentimental caracteriza-se pela simulação de vínculo afetivo com o objetivo de induzir a vítima, em situação de fragilidade emocional, à realização de transferências patrimoniais em benefício exclusivo do agente fraudador. Trata-se de comportamento ardiloso, em que se falseia a existência de uma relação amorosa, com o propósito de obter indevida vantagem econômica.
Nos termos do artigo 171 do Código Penal, o estelionato exige a presença cumulativa dos seguintes elementos: (i) obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de outrem; (ii) utilização de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento; e (iii) induzimento ou manutenção da vítima em erro.
Na hipótese concreta analisada pelo STJ, ficou demonstrado que o agente: (i) obteve benefício econômico injustificado, oriundo de gastos que não se enquadram nas despesas ordinárias de um relacionamento, mas sim em demandas exclusivamente patrimoniais do recorrente; (ii) tinha ciência da vulnerabilidade emocional da vítima, aproveitando-se dessa condição para induzi-la em erro mediante falsa promessa de relacionamento amoroso; e (iii) utilizou-se de ardil, ao relatar supostas dificuldades financeiras e exercer pressão emocional com vistas à obtenção de recursos.
Destaca-se que, embora os pagamentos tenham ocorrido sem coação direta, o dolo se evidencia justamente na manipulação emocional da vítima, que, iludida, agiu sob falso entendimento da realidade. A ausência de violência ou ameaça não descaracteriza o ilícito, pois o vício de vontade decorre do engano premeditado.
Nesse sentido, impõe-se o reconhecimento da prática de ato ilícito e a consequente responsabilização civil do agente, com a reparação dos danos materiais – correspondentes às despesas extraordinárias suportadas – e dos danos morais, decorrentes do sofrimento psíquico e abalo emocional vivenciados pela vítima.
RESUMO: O estelionato sentimental configura ato ilícito que gera o direito à indenização a título de danos morais e de danos materiais pelas despesas extraordinárias decorrentes do relacionamento.
REsp 2.208.310-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/5/2025.