O CPC/2015 atribui ao juiz de primeira instância, após a interposição da apelação, a obrigação de oportunizar o contraditório (contrarrazões do apelado e eventual recurso adesivo), remetendo os autos ao tribunal, sem realizar juízo de admissibilidade do recurso. Essa dinâmica rompe com a sistemática anterior do CPC/1973 (art. 518), que conferia ao magistrado tal atribuição.
O novo código confere exclusivamente ao tribunal o exame de admissibilidade e o julgamento do mérito da apelação (art. 1.011, caput).
Salvo hipóteses específicas que autorizam retratação (art. 485, § 7º; art. 332, § 3º; e art. 331, caput, todos do CPC), é vedado ao juiz de primeiro grau indeferir a apelação por razões de admissibilidade. Nesses casos, caso inadmitida a apelação, ocorre usurpação da competência do Tribunal ad quem, situação passível de correção por meio de reclamação (art. 988, I, do CPC).
Essa conclusão é respaldada por doutrina processualista e reforçada pelo Enunciado n. 207 do FPPC, que expressamente reconhece o cabimento da reclamação nesse contexto:
Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação.
O STJ, ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.267, fixou que:
- Não cabe agravo de instrumento, mesmo com a tese da taxatividade mitigada (Tema 988/STJ), por não se tratar de urgência decorrente da inutilidade do julgamento diferido;
- Não cabe mandado de segurança, pois há via processual própria (reclamação);
- Não cabe correição parcial, por ausência de previsão legal expressa e existência de meio específico.
Reconhecendo a complexidade da controvérsia antes da uniformização da tese pelo STJ, o Tribunal modulou os efeitos da decisão, permitindo, em caráter excepcional e até a publicação do acórdão do Tema 1.267, que medidas como correição parcial, agravo de instrumento ou mandado de segurança sejam recebidas como reclamação, desde que não tenha havido trânsito em julgado da decisão inadmitida.
No sistema processual vigente, a decisão do juiz de primeiro grau que inadmite a apelação viola o art. 1.010, § 3º, do CPC e configura usurpação da competência do Tribunal. Nessas hipóteses, o meio adequado para impugnação é a reclamação, nos termos do art. 988, I, do CPC.
Em respeito ao princípio da segurança jurídica, o STJ admitiu a fungibilidade recursal de forma excepcional e temporária, até o julgamento do Tema 1.267, consolidando o entendimento e conferindo uniformidade ao tratamento da matéria.
TESES:
- A decisão do juiz de primeiro grau que obsta o processamento da apelação viola o § 3º do artigo 1.010 do CPC, caracterizando usurpação da competência do Tribunal, o que autoriza o manejo da reclamação prevista no inciso I do artigo 988 do CPC;
- Na hipótese em que o juiz da causa negar seguimento à apelação no âmbito de execução ou de cumprimento de sentença, também será cabível agravo de instrumento, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1.015 do CPC.
REsp 2.072.867-MA, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 19/3/2025, DJEN 8/4/2025. (Tema 1267).