Pode ser exigido o recolhimento imediato do preparo recursal após o indeferimento da gratuidade de justiça, antes do julgamento do agravo interno interposto contra tal decisão?
A gratuidade da justiça é instrumento de efetivação do direito fundamental de acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88), sendo conferida ao jurisdicionado hipossuficiente para garantir-lhe a possibilidade de litigar sem o ônus financeiro decorrente do processo. Em sede recursal, especialmente após o indeferimento da benesse, surgem controvérsias relevantes acerca da exigibilidade do preparo e do momento processual adequado para sua cobrança.
Nos termos do art. 99, caput e § 1º, do CPC, o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive em recurso, sendo facultado à parte apresentá-lo por petição simples. A jurisprudência do STJ pacificou entendimento nesse sentido, firmando que a ausência de comprovação de modificação na situação econômica não impede a formulação superveniente do pedido, desde que demonstrada, no momento da solicitação, a atual insuficiência de recursos.
No caso de indeferimento do pedido de gratuidade da justiça em sede recursal, surge a discussão quanto à imposição do preparo. O art. 101, § 2º, do CPC estabelece que, indeferido o pedido, a parte deverá recolher as custas no prazo de cinco dias, contados da intimação da decisão. Contudo, essa exigência deve observar o devido processo legal e os princípios que regem o processo civil contemporâneo, dentre os quais se destacam o contraditório, a primazia da decisão de mérito (arts. 4º e 6º do CPC), o duplo grau de jurisdição e a colegialidade.
Nessa perspectiva, entende-se que a determinação de recolhimento do preparo recursal não pode ser imediata quando houver interposição de agravo interno contra a decisão monocrática que indeferiu o pedido de gratuidade. A exigibilidade do preparo somente se configura após (i) o julgamento do agravo interno pelo órgão colegiado, confirmando o indeferimento; ou (ii) o decurso do prazo para a interposição do agravo sem sua apresentação.
Tal interpretação coaduna-se com a garantia de ampla defesa, impede a configuração prematura de deserção do recurso e assegura a plena eficácia do direito ao julgamento colegiado. Eventual exigência de preparo antes do esgotamento das vias impugnativas aplicáveis à decisão monocrática representa restrição indevida ao direito de acesso à justiça, além de vulnerar a lógica sistêmica do CPC.
Ademais, é importante destacar que, mesmo quando deferida em fase recursal, a gratuidade da justiça não retroage para eximir o beneficiário dos encargos processuais anteriores ao pedido, como os honorários sucumbenciais previamente arbitrados, conforme reiterada jurisprudência.
Nesse sentido, a concessão da gratuidade da justiça em sede recursal independe da comprovação de decréscimo patrimonial anterior, devendo ser analisada com base na situação financeira atual do requerente. No caso de indeferimento, o recolhimento do preparo recursal somente poderá ser exigido após a confirmação da decisão por meio de julgamento do agravo interno ou com o decurso do prazo sem sua interposição.
RESUMO: Interposto agravo interno contra a decisão monocrática que indeferiu o pedido de gratuidade de justiça, o recolhimento do preparo não é exigível de imediato, e o recurso não poderá ser considerado deserto antes da confirmação do indeferimento pelo colegiado.
O pedido superveniente de gratuidade de justiça, formulado após a primeira manifestação nos autos, não precisa vir acompanhado de prova da alteração da condição econômica do requerente.
REsp 2.186.400-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 27/6/2025.