A impenhorabilidade do bem de família, instituída pela Lei n. 8.009/1990, visa garantir o direito fundamental à moradia, protegendo o imóvel residencial contra atos de constrição judicial, salvo hipóteses legais expressamente previstas.
A questão torna-se mais complexa quando o bem de família é de titularidade compartilhada, como ocorre em casos de copropriedade entre herdeiros. Nesse contexto, o STJ tem se debruçado sobre a possibilidade de penhora ou alienação parcial do imóvel, especialmente diante das regras previstas no CPC/1973 e do aprimoramento trazido pelo CPC/2015.
A controvérsia em questão reside na análise da extensão da impenhorabilidade do bem de família, questionando se tal proteção abrange a integralidade do imóvel, beneficiando todos os coproprietários, ou se é restrita apenas à fração ideal do herdeiro que utiliza o bem como moradia.
No caso em análise, a decisão recorrida restringiu a proteção da impenhorabilidade apenas à parte ideal do herdeiro residente no imóvel. Para tanto, fundamentou-se no art. 655-B do CPC/1973, dispositivo que permitia a penhora e alienação de bens indivisíveis em sua totalidade, com reserva de direitos do cônjuge não executado nos casos de copropriedade decorrente do regime de bens.
Com a entrada em vigor do CPC/2015, houve aperfeiçoamento dessa regra, especialmente no art. 843, que determina que, em casos de penhora de bem indivisível, o coproprietário alheio à execução tem assegurado o direito à sua quota-parte no produto da alienação do bem. Além disso, o dispositivo consagra o direito de preferência desse coproprietário na arrematação do imóvel, em igualdade de condições com terceiros, e veda a expropriação por valores que não cubram integralmente a sua fração ideal, calculada com base no valor da avaliação do imóvel.
No entanto, mesmo com essa possibilidade de alienação parcial, o STJ tem reiterado que a proteção conferida ao bem de família pela Lei n. 8.009/1990 se estende à totalidade do imóvel, visando assegurar o direito fundamental à moradia. Dessa forma, a alienação em hasta pública somente será admissível caso o imóvel seja divisível, sem prejuízo à destinação residencial da parte protegida.
Nesse contexto, o STJ fixou o entendimento de que a fração de imóvel indivisível pertencente ao devedor, protegida pela impenhorabilidade do bem de família, não pode ser objeto de constrição. Tal proteção é igualmente aplicável à fração pertencente ao coproprietário não executado, uma vez que a expropriação do bem como um todo desvirtuaria a finalidade social da Lei n. 8.009/1990.
No caso concreto, é incontroverso que o imóvel constrito serve como residência de um dos herdeiros, configurando-se, portanto, como bem de família. Assim, aplica-se o art. 1º da Lei n. 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do único imóvel utilizado como moradia pela entidade familiar. Consequentemente, conclui-se que a cota-parte pertencente ao coproprietário não executado se encontra igualmente protegida pela impenhorabilidade, inviabilizando a aplicação do art. 655-B do CPC/1973, atualmente substituído pelo art. 843 do CPC/2015.
Dessa forma, prevalece o entendimento de que a proteção do bem de família abrange sua integralidade, resguardando não apenas o direito à moradia, mas também os princípios de solidariedade familiar e a finalidade social do instituto.
RESUMO: É impenhorável o imóvel residencial caracterizado como bem de família em sua integralidade, impedindo sua alienação em hasta pública, salvo se se tratar de imóvel suscetível de divisão.
REsp 1.861.107-RS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 10/12/2024.