É possível obrigar a operadora de plano de saúde a fornecer medicamento à base de canabidiol, de uso domiciliar e não previsto no rol da ANS, para beneficiário com transtorno do espectro autista?
A controvérsia jurídica em exame diz respeito à obrigatoriedade, ou não, de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde de medicamentos à base de canabidiol, de uso domiciliar, não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar, quando prescritos para tratamento de beneficiários diagnosticados com transtorno do espectro autista. A matéria exige análise da Lei n. 9.656/1998, das normas regulamentares da ANS e da jurisprudência do STJ.
Nos termos do art. 10, VI, da Lei n. 9.656/1998, os medicamentos de uso domiciliar não estão abrangidos pela cobertura obrigatória dos planos de saúde, salvo nas hipóteses excepcionais previstas na própria lei, no contrato ou em norma regulamentar. Tal exclusão decorre de expressa opção legislativa, a qual visa delimitar a obrigação assistencial das operadoras privadas.
Posteriormente, o § 13 do referido artigo foi introduzido para impor a cobertura de procedimentos não incluídos no rol da ANS, desde que indispensáveis à manutenção da saúde do beneficiário e reconhecidos pela medicina baseada em evidências. Contudo, conforme reiteradamente pontuado pelo STJ, essa regra não se sobrepõe às exceções normativas previstas nos incisos do caput do art. 10. Assim, a cobertura de medicamentos de uso domiciliar continua condicionada à existência de previsão legal, contratual ou normativa específica (REsp 2.071.955/RS, DJe 7/3/2024).
A jurisprudência tem reconhecido a obrigatoriedade de fornecimento de canabidiol em casos nos quais a medicação é administrada em ambiente hospitalar, durante internação ou quando exige intervenção profissional direta (REsp 1.927.566/RS e AgInt nos EREsp 1.895.659/PR). Entretanto, não há jurisprudência consolidada no sentido de impor cobertura obrigatória quando se tratar de administração autônoma em domicílio, sem os requisitos legais e normativos acima mencionados.
Embora o medicamento à base de canabidiol possa ter eficácia comprovada, sua forma de administração (domiciliar e sem supervisão especializada) o enquadra na vedação do art. 10, VI, da Lei dos Planos de Saúde. O argumento de que se trata de medicamento diferenciado, por não ser de comercialização ampla, não afasta o seu enquadramento jurídico como de uso domiciliar, o qual é definido pela forma de administração, e não pelo canal de aquisição.
Importa ainda destacar que a regulamentação sobre o tema se encontra em processo de evolução legislativa, sendo relevante mencionar o Projeto de Lei n. 89/2023, em trâmite no Senado Federal, que visa à inclusão de medicamentos derivados do canabidiol na lista de fornecimento obrigatório pelo SUS.
Nesse sentido, a operadora de plano de saúde não está obrigada a fornecer medicamento à base de canabidiol de uso domiciliar, não previsto no rol da ANS, salvo se houver previsão legal, contratual ou normativa que excepcione expressamente a exclusão contida no art. 10, VI, da Lei n. 9.656/1998.
RESUMO: É lícita a negativa de cobertura por operadora do plano de saúde de medicamento de uso domiciliar à base de canabidiol não listado no rol da ANS.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025.