A técnica da fundamentação per relationem, ou por remissão, consiste na utilização, pelo julgador, dos fundamentos constantes de decisão anterior, parecer ou outro documento, como razões de decidir no caso concreto. A controvérsia reside em saber se essa forma de motivação, por si só, compromete a validade da decisão judicial, em razão da exigência de fundamentação adequada e suficiente imposta pelos artigos 489, § 1º, e 1.022, parágrafo único, inciso II, do CPC.
A Constituição Federal, em seu artigo 93, inciso IX, consagra como cláusula pétrea a exigência de motivação das decisões judiciais, garantindo o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa. O CPC, em consonância com tal preceito, consagrou a fundamentação como norma fundamental do processo (art. 11), disciplinando de forma rigorosa o conteúdo mínimo da motivação, especialmente no § 1º do artigo 489.
Nesse contexto, é inválida a fundamentação exclusivamente por remissão, isto é, aquela que se limita a transcrever ou referenciar fundamentos anteriores sem qualquer diálogo com os argumentos específicos do caso. Tal prática configura decisão não fundamentada, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos I a VI, por não explicitar os motivos concretos da convicção judicial.
Por outro lado, admite-se a fundamentação per relationem integrativa, que, embora se valha de fundamentos anteriormente expendidos, realiza uma análise específica do caso, enfrentando os argumentos deduzidos pelas partes. A jurisprudência do STF e do STJ tem reconhecido a validade dessa técnica, desde que preenchidos os requisitos legais e respeitado o contraditório substancial, conforme ilustram os precedentes do RE 1.397.056/MA e as decisões das Turmas do STJ.
No que tange ao § 3º do artigo 1.021 do CPC, é entendimento pacífico que tal dispositivo não veda a utilização da fundamentação por remissão no julgamento de agravo interno, desde que a decisão aprecie de forma suficiente os fundamentos relevantes deduzidos pela parte, em atenção ao art. 489, § 1º, IV.
Portanto, conclui-se que a fundamentação por referência é válida no ordenamento jurídico brasileiro, desde que empregada com moderação, de forma a garantir a efetividade do contraditório, a coerência da motivação e a transparência da atividade jurisdicional, sob pena de nulidade do pronunciamento judicial.
TESES:
1) A técnica da fundamentação por referência (per relationem) é permitida desde que o julgador, ao reproduzir trechos de decisão anterior, documento e/ou parecer como razões de decidir, enfrente, ainda que de forma sucinta, as novas questões relevantes para o julgamento do processo, dispensada a análise pormenorizada de cada uma das alegações ou provas.
2) O § 3º do artigo 1.021, do CPC não impede a reprodução dos fundamentos da decisão agravada como razões de decidir pela negativa de provimento de agravo interno quando a parte deixa de apresentar argumento novo para ser apreciado pelo colegiado.
REsp 2.148.059-MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 20/8/2025. (Tema 1306).