A controvérsia em análise diz respeito à possibilidade de aplicação do instituto da supressio à pensão alimentícia paga voluntariamente por ex-cônjuge após o termo final da obrigação, gerando expectativa legítima de continuidade da prestação à alimentanda. Trata-se de hipótese em que a boa-fé objetiva, como cláusula geral de conduta no âmbito das relações privadas, impõe o dever de proteção à confiança construída ao longo de mais de duas décadas de adimplemento ininterrupto e voluntário por parte do alimentante.
A supressio opera como perda da faculdade jurídica pelo seu não exercício ao longo do tempo, impossibilitando, por decorrência da boa-fé, a alteração abrupta e inesperada do comportamento anterior. Neste cenário, a expectativa de continuidade da prestação alimentar consolida-se juridicamente (surrectio), ainda mais quando associada a elementos concretos de vulnerabilidade da alimentanda: idade avançada, doença grave e impossibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a fixação da pensão entre ex-cônjuges por prazo indeterminado em situações excepcionais, pautadas na preservação da dignidade da pessoa humana e na realidade do casal durante o casamento. No caso em apreço, restou demonstrado que a ex-esposa abdicou de sua vida profissional em razão de mudança decorrente do trabalho do então marido, o que agravou sua dependência econômica e reforça a necessidade da prestação alimentar.
Assim, considerando a conduta do ex-marido, que por mais de 25 anos deu cumprimento voluntário à obrigação alimentar, mesmo após a exoneração formal, consolidando legítima expectativa de continuidade da pensão; somado à condição de vulnerabilidade da ex-esposa; é juridicamente cabível a manutenção da pensão alimentícia por prazo indeterminado, sob pena de afronta à boa-fé objetiva e ao princípio da proteção da confiança nas relações familiares.
RESUMO: É possível a manutenção do pagamento de pensão alimentícia por prazo indeterminado, na hipótese em que o ex-marido, mesmo exonerado, optou voluntariamente por continuar realizando o pagamento de alimentos por duas décadas, em razão da configuração dos institutos da supressio para o alimentante, que deixou de exercer seu direito de cessar os pagamentos, e da surrectio para a alimentanda diante da expectativa de que o direito de exoneração dos alimentos não mais seria reivindicado pelo ex-cônjuge.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 27/6/2025.