A União possui interesse jurídico direto que justifique a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais cometidos contra espécies vegetais ameaçadas de extinção?
SIM.
O STF, ao julgar o Tema 648 da repercussão geral (RE 835.558), fixou a tese de que cabe à Justiça Federal julgar crimes ambientais de natureza transnacional que envolvam animais silvestres, ameaçados de extinção, espécies exóticas ou protegidas por tratados e convenções internacionais.
Ainda que a tese firmada pelo STF esteja restrita, em sua literalidade, à fauna e a crimes de caráter transnacional, a jurisprudência do STJ já reconhecia, antes mesmo desse precedente, a competência da Justiça Federal para julgar crimes ambientais quando demonstrado o interesse direto da União, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.
É importante recordar que, em 2000, o STJ cancelou a Súmula n. 91, que atribuía de forma genérica à Justiça Federal a competência para os crimes contra a fauna. A partir de então, passou-se a exigir a demonstração de um interesse jurídico específico da União na persecução penal desses crimes, e não apenas um interesse reflexo.
Nesse novo cenário, a jurisprudência consolidou o entendimento de que a inclusão de um animal na Lista Nacional de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção, publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, revela a existência de um interesse direto da União na proteção da espécie, suficiente para atrair a competência federal.
Assim, a competência para julgar infrações penais ambientais passou a ser determinada com base na existência ou não de ato normativo federal que reconheça o risco de extinção da espécie afetada. Em outras palavras, quando a espécie consta de lista oficial do poder público federal, considera-se que a União tem legítimo e específico interesse na repressão penal da conduta.
Com base nesse raciocínio, entende-se que o mesmo critério deve ser aplicado aos crimes cometidos contra a flora brasileira. Não há fundamento jurídico plausível para atribuir maior peso à proteção da fauna do que à proteção da flora no que diz respeito à configuração de interesse da União. Ambas são igualmente protegidas por normas constitucionais, infraconstitucionais e por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Ainda que o caso concreto não envolva crime de dimensão transnacional, como aqueles abordados no Tema 648 do STF, é possível utilizar a fundamentação adotada naquele julgamento como reforço argumentativo, já que os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil impõem a preservação ampla da biodiversidade — compreendendo tanto a fauna quanto a flora.
Ademais, o art. 53 da Lei n. 9.985/2000 (que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) determina que o IBAMA deve elaborar e divulgar periodicamente listas atualizadas das espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção. Tal incumbência normativa reforça o papel da União na proteção das espécies vegetais ameaçadas, demonstrando, portanto, interesse jurídico direto.
Dessa forma, crimes ambientais que tenham como objeto espécies vegetais ameaçadas de extinção — desde que incluídas em listagem oficial elaborada por órgão federal competente — devem ser processados e julgados pela Justiça Federal, com base no art. 109, IV, da CF, tal como já se firmou em relação à fauna.
Conclui-se, portanto, que a proteção da flora ameaçada de extinção está no mesmo patamar jurídico da proteção da fauna para fins de definição da competência da Justiça Federal. A existência de listagem federal das espécies vegetais ameaçadas revela o interesse específico da União, o que justifica a fixação da competência da jurisdição federal para o julgamento de crimes ambientais que as envolvam.
RESUMO: A proteção da flora ameaçada de extinção é equiparada à proteção da fauna, não havendo distinção quanto ao interesse da União, o que justifica a competência da Justiça Federal para julgar crime ambiental contra espécie vegetal ameaçada de extinção.
AgRg no CC 206.862-SC, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 18/2/2025, DJEN 24/2/2025.