No julgamento do AgInt no AREsp 1.479.463-SP, o STJ foi provocado a analisar a tipicidade de condutas no contexto das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), notadamente quanto à utilização de aparelho celular fornecido por órgão público para fins particulares e eleitorais enquanto ato de improbidade administrativa após as mudanças legislativas.
A Lei 14.230/2021 introduziu significativas alterações na LIA, incluindo:
- A revogação do inciso I do art. 11, que tipificava genericamente como improbidade administrativa condutas contrárias a princípios da Administração Pública;
- A redução do escopo do caput do art. 11, delimitando as hipóteses de improbidade violadora de princípios aos casos taxativamente previstos.
Essas alterações buscaram corrigir excessos na aplicação da norma, que, em sua formulação original, resultava frequentemente na punição de irregularidades formais desprovidas de má-fé.
A conduta em análise no caso concreto envolvia o uso de celular disponibilizado por uma Câmara Municipal para fins particulares e eleitorais, prática proibida pelo art. 73, I, da Lei 9.504/1997 (Lei Eleitoral). Esse dispositivo veda aos agentes públicos:
- A utilização de bens públicos para favorecer candidatos, partidos ou coligações (inciso I); e
- A utilização de materiais e serviços públicos que ultrapassem as prerrogativas funcionais (inciso II).
O § 7º do art. 73 da Lei Eleitoral expressamente qualifica tais condutas como atos de improbidade administrativa, sujeitando-as ao regime sancionatório da LIA, notadamente as penalidades previstas no art. 12, III.
Mesmo com a revogação do inciso I do art. 11 pela Lei 14.230/2021, as condutas descritas no art. 73, I e II, da Lei Eleitoral permanecem típicas como atos de improbidade administrativa?
SIM. Isso ocorre porque:
- A Lei 14.230/2021 não revogou normas específicas que tipificam atos ímprobos em legislações especiais, como a Lei Eleitoral. Ao contrário, o art. 1º, § 1º, e o art. 11, § 2º, da LIA preservaram a aplicação dessas normas;
- O princípio da continuidade típico-normativa assegura a subsistência da tipicidade quando uma conduta é transferida ou mantida em outro diploma legal, desde que haja expressa previsão normativa.
Portanto, ainda que a nova LIA tenha restringido as hipóteses de improbidade administrativa para evitar punições excessivas, as condutas previstas na Lei Eleitoral continuam sendo qualificadas como ímprobas, dada sua tipificação específica e autônoma.
Nesse sentido, o STJ reafirmou que a revogação de dispositivos generalizantes da LIA, como o inciso I do art. 11, não implica a extinção da tipicidade de condutas previstas de forma taxativa em outros diplomas legais, como o art. 73 da Lei Eleitoral. Assim, o uso de bens públicos para fins eleitorais segue configurando improbidade administrativa, conforme previsto na legislação especial, resguardando os princípios da moralidade e igualdade de oportunidades nos pleitos eleitorais.
RESUMO: A revogação da previsão generalizante do inciso I do art. 11 da LIA não afeta as hipóteses específicas de condutas tipificadoras de improbidade administrativa previstas em legislação extravagante, tais como as dos incisos do caput do art. 73 da Lei n. 9.504/1997 (Lei Eleitoral), diante do princípio da continuidade típico-normativa.
AgInt no AgInt no AREsp 1.479.463-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 3/12/2024, DJe 9/12/2024.