É possível a subsistência de penalidade disciplinar nos casos em que a inimputabilidade do agente já foi reconhecida na esfera penal?
NÃO.
A jurisprudência do STJ estabelece que o controle jurisdicional de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) se limita à verificação da regularidade procedimental e da legalidade do ato, sem adentrar o mérito administrativo. Esse controle busca assegurar que o procedimento respeite os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sem que o Judiciário interfira nas decisões discricionárias da Administração.
Como se sabe, há uma relativa independência entre as esferas civil, penal e administrativa. Assim, cada esfera pode apurar responsabilidades de forma independente, sendo que a decisão criminal prevalece apenas quando afirma categoricamente a inexistência de conduta ou afasta totalmente a participação do agente no fato.
Contudo, à luz do princípio constitucional da culpabilidade, ocorre uma necessária comunicação entre as esferas penal e administrativa nos casos em que o juízo criminal, com base no artigo 26 do Código Penal, reconhece a inimputabilidade do agente e profere uma sentença absolutória imprópria, impondo medida de segurança. Essa sentença indica que, no momento da ação, o acusado apresentava completa incapacidade de entender o caráter ilícito de seu ato ou de agir conforme esse entendimento, em virtude de um distúrbio mental. Esse reconhecimento de inimputabilidade, que resulta de uma investigação criteriosa, incluindo exame de insanidade mental (art. 149 do CPP) e análise detalhada de laudos médicos, encerra um juízo categórico que não pode ser ignorado pela Administração na esfera disciplinar.
Portanto, diante da constatação de que o agente estava em surto psicótico e absolutamente incapaz de compreender o caráter ilícito de sua conduta, não é cabível a aplicação de sanções administrativas. A Administração Pública deve, ao invés disso, avaliar a possibilidade de conceder licença para tratamento de saúde ou aposentadoria por invalidez, considerando o estado mental do servidor à época dos fatos. A manutenção de penalidade disciplinar nesses casos, após o reconhecimento judicial da inimputabilidade, seria incoerente, pois implicaria em penalizar um indivíduo que, conforme sentença penal, não possuía discernimento suficiente para responder por suas ações.
Assim, o STJ aponta para a impossibilidade de responsabilização disciplinar em casos de inimputabilidade penal reconhecida, evidenciando a necessidade de harmonia entre os julgamentos criminais e administrativos, especialmente quando presentes causas excludentes da culpabilidade.
RESUMO: Quando o juízo criminal reconhece a inimputabilidade do agente fundada no art. 26 do Código Penal e profere sentença absolutória imprópria, com imposição de medida de segurança, descabe a fixação de sanção administrativa, impondo-se à Administração Pública, ao revés, o dever de avaliar a eventual concessão de licença para tratamento de saúde ou de aposentadoria por invalidez.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 1/10/2024, DJe 4/10/2024.