A desapropriação indireta constitui instituto peculiar do Direito Administrativo brasileiro, caracterizando-se pela ocupação do imóvel particular pelo Poder Público sem observância do devido processo expropriatório, ou seja, sem prévia declaração de utilidade pública e sem pagamento da indenização devida. Por configurar afronta ao direito de propriedade – cláusula pétrea do ordenamento constitucional (art. 5º, XXII, da Constituição Federal de 1988) – tal conduta enseja reparação ao particular lesado por meio de ação judicial que visa à justa indenização.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem a desapropriação indireta como espécie de intervenção estatal ilícita na propriedade privada. Trata-se de ocupação administrativa, ou apossamento do bem, sem a observância das formalidades legais e, principalmente, sem o pagamento prévio de indenização justa, conforme exige o art. 5º, XXIV, da Constituição Federal. Configura-se, pois, lesão a direito subjetivo patrimonial do titular do imóvel, ensejando a responsabilização objetiva do Estado, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
Portanto, a desapropriação indireta é aquela que se opera por via de fato, quando o poder público se apossa do bem do particular e o afeta a uso público, sem observar as formalidades legais e constitucionais para a desapropriação.
Inclusive, é possível conferir legitimidade ativa ao herdeiro único para propor ação de desapropriação indireta, com fundamento no princípio da saisine, previsto no art. 1.784 do Código Civil, segundo o qual a herança transmite-se automaticamente aos herdeiros no momento da abertura da sucessão.
Nessa perspectiva, mesmo antes da formal regularização do domínio junto ao registro imobiliário, o herdeiro único, na qualidade de sucessor universal, assume a titularidade dos direitos patrimoniais do de cujus, inclusive o direito à indenização decorrente de apossamento ilícito pelo Poder Público. Tal entendimento também se fundamenta na continuidade possessória e na proteção do direito de propriedade, assegurando-se ao herdeiro o exercício da pretensão indenizatória em nome próprio, independentemente de prévia formalização registral do título sucessório.
A indenização na desapropriação indireta deve ser fixada de forma a garantir a integral reparação do dano patrimonial sofrido pelo proprietário, conforme previsto no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, que exige indenização justa, prévia e em dinheiro. Contudo, por se tratar de ocupação administrativa irregular, a indenização é fixada judicialmente, com observância de parâmetros técnicos e legais que asseguram a recomposição do valor de mercado do bem, acrescida dos consectários legais.
O valor da indenização deve corresponder ao valor de mercado da área efetivamente apossada, apurado na data do laudo pericial, independentemente da data do apossamento pelo Poder Público. Essa diretriz tem por objetivo evitar que o ente expropriante se beneficie do decurso do tempo em detrimento do expropriado.
Os juros compensatórios têm natureza de reparação pela perda do uso e fruição do imóvel desde a data da imissão na posse até o efetivo pagamento da indenização. O percentual de 6% ao ano foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI nº 2.332/DF, consolidando-se nos seguintes termos:
- (i) É constitucional o percentual de 6% ao ano como taxa de juros compensatórios;
- (ii) A base de cálculo corresponde à diferença entre 80% do valor ofertado administrativamente e o valor fixado judicialmente na sentença;
- (iii) É igualmente constitucional a exigência de produtividade da propriedade como condição para a incidência dos juros compensatórios.
Nos casos de apossamento anterior à edição da MP nº 2.183-56/2001, que introduziu o art. 15-A no Decreto-Lei nº 3.365/1941, aplica-se a jurisprudência consolidada na Súmula 618 do STF, permitindo a incidência de juros compensatórios à taxa de 12% ao ano.
Conforme o art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941, os juros moratórios incidem à razão de 6% ao ano, contados a partir do primeiro dia útil subsequente ao encerramento do exercício financeiro em que o pagamento da indenização deveria ter sido efetuado. Trata-se de verba compensatória pelo atraso no cumprimento da obrigação de indenizar.
A atualização monetária do valor da indenização deve observar os seguintes parâmetros:
- Até 08/12/21: aplicação do IPCA-E, conforme fixado no Tema 905 do STJ (REsp 1.495.146/MG);
- A partir de 09/12/21: aplicação da taxa Selic, em razão da Emenda Constitucional nº 113/2021, que alterou o regime de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública (art. 3º da EC nº 113/2021).
Os honorários advocatícios em ações de desapropriação, inclusive na modalidade indireta, possuem disciplina legal própria, estabelecida no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que prevê expressamente:
§ 1º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4o do art. 20 do Código de Processo Civil.
Trata-se de norma especial que estabelece parâmetros mínimos e máximos percentuais, vinculados à diferença entre o valor ofertado pela Administração Pública e o valor fixado judicialmente a título de indenização. O objetivo é reconhecer o trabalho técnico do advogado na obtenção de valor mais justo e adequado para o expropriado, respeitando-se critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
A constitucionalidade dessa previsão legal foi reconhecida pelo STF, no julgamento da ADI nº 2.332, oportunidade em que se firmou o entendimento de que:
- É constitucional a estipulação de parâmetros mínimo e máximo percentuais (0,5% a 5%) para os honorários advocatícios;
- É inconstitucional a fixação de valor nominal máximo de honorários, por violar os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da justa retribuição pelo trabalho profissional.
Além da regra especial, admite-se a aplicação subsidiária do CPC, especialmente nas hipóteses em que não houver proposta administrativa prévia ou quando o valor da diferença não for aplicável diretamente, utilizando-se os critérios do § 2º do art. 85 do CPC, como grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido para o serviço.
Assim, os honorários advocatícios na desapropriação indireta cumprem relevante função de assegurar o efetivo contraditório e a paridade de armas no processo expropriatório, além de constituírem remuneração devida pelo resultado econômico obtido em favor do expropriado. O respeito aos parâmetros legais e constitucionais garante segurança jurídica na fixação da verba honorária, impedindo abusos e assegurando o equilíbrio da relação processual.
A desapropriação indireta, embora derivada de conduta estatal ilícita, tem seu reconhecimento assentado na jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, os quais asseguram ao particular o direito à justa e prévia indenização. A proteção do direito de propriedade e o equilíbrio entre o interesse público e os direitos fundamentais individuais impõem ao Poder Judiciário a rigorosa observância dos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade administrativa e da segurança jurídica.
Assim, o enfrentamento técnico e jurídico da desapropriação indireta demanda análise acurada dos elementos fáticos e probatórios, bem como aplicação criteriosa das normas constitucionais, infraconstitucionais e dos precedentes jurisprudenciais, garantindo-se, ao fim, a justa recomposição patrimonial do particular lesado.