O STF, em decisão unânime no MI 7452, reconheceu a aplicabilidade da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) não apenas às mulheres cisgênero, mas também a travestis e mulheres transexuais que mantenham relações afetivas em ambiente doméstico. Além disso, a Corte estabeleceu que a norma pode ser aplicada a casais homoafetivos masculinos quando houver situação de subordinação e vulnerabilidade na relação.
A ação foi ajuizada pela Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH), que questionou a demora do Congresso Nacional em legislar sobre a aplicação da Lei Maria da Penha às relações homoafetivas e às mulheres trans e travestis. De início, a Corte já reconheceu que a mera tramitação de projetos de lei não afasta a omissão inconstitucional do Poder Legislativo, pois deixa essas comunidades desprotegidas frente à violência doméstica.
A decisão baseou-se no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e na necessidade de proteção dos grupos vulneráveis, garantindo-lhes os direitos fundamentais à vida, integridade física, igualdade e segurança.
O STF decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada às relações afetivas entre homens, mas com uma ressalva: somente quando houver situação de subordinação e vulnerabilidade de uma das partes. Isso significa que a vítima precisa estar em posição de dependência ou fragilidade, o que reforça a necessidade de um olhar específico sobre a dinâmica das relações de poder dentro desses relacionamentos.
Contudo, os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Edson Fachin impuseram um limite: as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser concedidas a homens vítimas de violência doméstica em relações homoafetivas, mas as sanções penais cujo pressuposto seja a condição de mulher da vítima não devem ser aplicadas. Isso significa que a proteção cautelar existe, mas o agressor não pode ser punido com base em tipos penais que pressupõem violência contra a mulher.
Outro ponto crucial da decisão foi a ampliação do conceito de mulher na Lei Maria da Penha. O STF entendeu que a palavra “mulher” contida no texto legal não se restringe ao sexo biológico feminino, mas abrange o gênero feminino, reconhecendo travestis e mulheres transexuais como destinatárias da proteção dessa legislação.
Segundo o relator, a conformação física externa não pode ser o único critério para definição do gênero, pois a identidade de gênero deve ser respeitada. Dessa forma, mulheres trans e travestis em relações domésticas ou familiares estão plenamente amparadas pela Lei Maria da Penha.
Essa interpretação se fundamenta nos princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput, da CF) e da não discriminação, além do reconhecimento da vulnerabilidade histórica e social desses grupos.
A decisão do STF amplia o escopo da Lei Maria da Penha e garante medidas de proteção a um maior número de vítimas, suprindo uma lacuna legislativa que deixava grupos vulneráveis sem amparo jurídico adequado. Dito de outro modo, representa um avanço na proteção contra a violência doméstica e familiar, reafirmando a necessidade de garantir direitos fundamentais a grupos historicamente marginalizados.
Entretanto, o reconhecimento da omissão legislativa pelo STF demonstra a necessidade de que o Congresso Nacional aprove legislação específica para regulamentar a proteção de homens em relações homoafetivas e de pessoas trans e travestis no contexto da violência doméstica. É dizer, ao reconhecer a omissão legislativa, a Corte garantiu que travestis, mulheres trans e homens em relações homoafetivas possam ser protegidos pelas medidas cautelares da Lei Maria da Penha, reforçando o compromisso do Judiciário com a igualdade e a não discriminação.
No entanto, permanece o desafio de que o Poder Legislativo regulamente expressamente a matéria, garantindo segurança jurídica e maior efetividade na proteção dessas vítimas. Até que isso ocorra, a decisão do STF se mostra essencial para assegurar a proteção de todos os indivíduos que, em razão do gênero ou da vulnerabilidade, sofrem violência no âmbito doméstico e familiar.
MI 7452, julgado em 21/02/2025.