É legítima a condenação por improbidade administrativa na contratação direta de show artístico, quando ausentes o dolo específico e a comprovação de dano efetivo ao erário?
NÃO.
A controvérsia centra-se na análise da legalidade e da tipicidade da contratação direta de artista consagrado, mediante inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, inciso III, da Lei n. 8.666/1993, à luz da nova sistemática de responsabilização por improbidade administrativa introduzida pela Lei n. 14.230/2021. A questão principal consiste em verificar se, ausentes o dolo específico e o dano efetivo ao erário, tal conduta pode subsumir-se às hipóteses de improbidade administrativa previstas nos arts. 10 e 11 da Lei n. 8.429/1992 (LIA).
Com a alteração promovida pela Lei n. 14.230/2021, consolidou-se no ordenamento jurídico a necessidade de dolo específico para a caracterização de qualquer ato ímprobo, inclusive os previstos no art. 11 da LIA. Exige-se, conforme o § 1º desse dispositivo, que a conduta tenha sido praticada “com o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”.
No que se refere aos atos descritos no art. 10 da LIA, além do elemento subjetivo (dolo), passou-se a exigir prova concreta da lesão ao erário, afastando-se de modo categórico a possibilidade de presumir-se o dano, conforme se dava sob o conceito doutrinário e jurisprudencial do “dano in re ipsa”. Assim, a responsabilização depende da demonstração de perda patrimonial efetiva, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos recursos públicos.
Na hipótese examinada pelo STJ, a contratação do show artístico ocorreu com base na inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, III, da Lei n. 8.666/1993, o que, em tese, é juridicamente admissível, desde que o contratado seja o artista ou seu empresário exclusivo, nos termos da jurisprudência consolidada do STJ.
Contudo, a condenação dos agentes públicos ocorreu unicamente porque a empresa contratada para montar a estrutura do evento não detinha a exclusividade da representação do cantor, mas atuou como intermediária entre a administração e o real representante do artista. Ausente, no entanto, qualquer indício ou demonstração de que os réus tenham agido com o intuito de obtenção de vantagem indevida ou de que tenham se beneficiado da contratação.
Além disso, inexiste nos autos comprovação de superfaturamento ou de que o valor pago tenha sido superior ao praticado no mercado para artistas da mesma notoriedade. A tentativa de relegar a apuração do dano à fase de liquidação de sentença revela evidente inversão do ônus probatório, uma vez que competia ao Ministério Público demonstrar, na fase de conhecimento, a existência do prejuízo concreto ao erário.
É assente que, após a reforma da LIA, não se admite mais a condenação por improbidade administrativa sem a comprovação de todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo, sob pena de violação ao princípio da legalidade estrita em matéria sancionatória.
Portanto, diante da ausência de demonstração do dolo específico dos agentes e da inexistência de prejuízo comprovado aos cofres públicos, não se configuram os elementos essenciais para o enquadramento da conduta nos arts. 10 ou 11 da Lei de Improbidade Administrativa, conforme os parâmetros vigentes após a Lei n. 14.230/2021.
RESUMO: A mera intermediação na contratação de show artístico sem licitação, com base na inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/1993, não configura improbidade administrativa na ausência de prova de superfaturamento ou benefício indevido.
REsp 2.029.719-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 5/8/2025.