A Justiça Restaurativa representa uma abordagem inovadora e humanizada para a resolução de conflitos, destacando-se no cenário jurídico brasileiro como uma alternativa à tradicional justiça retributiva. Com base no diálogo e na participação ativa das partes envolvidas, essa metodologia promove não apenas a reparação do dano causado, mas também a restauração das relações interpessoais e sociais afetadas.
É dizer, trata-se de um sistema de resolução de conflitos que se diferencia do modelo tradicional de justiça retributiva, privilegiando o diálogo e a participação ativa das partes — vítima, ofensor e, quando aplicável, a comunidade. Sua base está na conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais que motivam conflitos e atos de violência, promovendo reparação e restauração das relações.
Neste texto, serão abordados os fundamentos e as características centrais da Justiça Restaurativa, sua evolução e implementação no Brasil, as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Ministério Público, além de exemplos práticos de sua aplicação em contextos como a violência doméstica e a reabilitação de jovens infratores. Ademais, será apresentada uma análise crítica sobre os desafios e as potencialidades dessa prática no âmbito jurídico e social, ressaltando sua consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da pacificação social.
A temática é de grande relevância, pois reflete uma mudança de paradigma na forma como o direito contemporâneo busca lidar com conflitos, privilegiando a efetividade social, a justiça restaurativa e o fortalecimento da cidadania.
O CNJ desempenha papel fundamental na institucionalização e promoção da Justiça Restaurativa no Brasil, configurando-se como órgão central no desenvolvimento dessa política pública no âmbito do Poder Judiciário.
Conforme a Resolução CNJ nº 225/2016, essa abordagem busca consolidar uma identidade própria, visando prevenir seu desvirtuamento ou banalização. No plano internacional, a Resolução 2002/2012 da ONU define Justiça Restaurativa como qualquer processo que envolva vítima e ofensor na solução de questões oriundas do crime, geralmente com a mediação de um facilitador.
Desde sua implementação em fóruns brasileiros, a Justiça Restaurativa tem evoluído como ferramenta jurídica e social. Seu marco inicial no CNJ foi a Portaria nº 91/2016, instituindo o Comitê de Justiça Restaurativa. Posteriormente, a Portaria nº 137/2018 reestruturou esse Comitê, conferindo-lhe maior operacionalidade, seguida pela Portaria nº 42/2020, que atualizou sua composição.
Além disso, a Resolução CNJ nº 300/2019 determinou prazos para a adoção da Justiça Restaurativa nos Tribunais, estabelecendo o Fórum Nacional de Justiça Restaurativa, espaço de diálogo e planejamento de ações estratégicas.
A prática da Justiça Restaurativa no Brasil é relativamente recente, mas tem ganhado espaço significativo, sobretudo como resposta à crescente demanda por soluções eficazes e humanizadas no sistema de justiça. O marco inicial dessa abordagem remonta à promulgação da Constituição Federal de 1988, que incentivou formas alternativas de resolução de conflitos. Desde então, a Justiça Restaurativa passou a integrar o conjunto de políticas públicas voltadas à pacificação social e à concretização dos direitos fundamentais.
Entre os principais avanços, destacam-se iniciativas locais em varas especializadas, como as de violência doméstica, e projetos em escolas públicas e privadas, que têm utilizado os círculos restaurativos para mediar conflitos e prevenir situações de violência. No âmbito criminal, a prática tem sido aplicada em medidas socioeducativas, auxiliando na reabilitação de adolescentes em conflito com a lei, com resultados promissores na redução de reincidências.
A Justiça Restaurativa se caracteriza pela centralidade do diálogo e pela participação ativa dos envolvidos no conflito. Não se limita à simples aplicação de sanções, mas visa à responsabilização do ofensor e à reparação integral do dano sofrido pela vítima, promovendo um senso de justiça mais inclusivo e humanizado.
Tal mecanismo atua paralelamente à ação penal, não implicando desistência da persecução estatal ou redução de penas, salvo hipóteses legais como as previstas no art. 74 da Lei nº 9.099/1995. Seu foco é a reparação dos danos sofridos pela vítima, a responsabilização do ofensor e a prevenção de futuros conflitos e possui como principais características as seguintes:
Voluntariedade: a participação das partes deve ser consensual, o que assegura um ambiente de cooperação;
Centralidade na vítima: foco na reparação dos danos sofridos pela vítima, tanto materiais quanto emocionais;
Responsabilização ativa: o ofensor é incentivado a compreender as consequências de seus atos e assumir compromissos para evitar reincidências;
Facilitadores especializados: o processo é conduzido por mediadores capacitados, que promovem um diálogo equilibrado entre as partes.
Os principais benefícios, por seu turno, são a reparação do dano; a redução da reincidência; o fortalecimento das relações sociais e o desafogo do Judiciário.
Os principais objetivos da Justiça Restaurativa são a superação do trauma sofrido pela vítima, promovendo acolhimento e reparação integral dos danos, tanto materiais quanto emocionais, de forma que ela se sinta efetivamente ouvida e amparada; a responsabilização do ofensor, que é incentivado a refletir sobre as consequências de suas ações, compreendendo o impacto causado à vítima e à comunidade, o que contribui para sua conscientização; e a adoção de compromissos futuros por parte do infrator, voltados para a reparação efetiva do dano e a prevenção de novas práticas ilícitas, visando a pacificação social e a redução da reincidência.
O Ministério Público desempenha papel crucial na implementação e consolidação da Justiça Restaurativa no Brasil, sendo um dos principais agentes responsáveis por promover práticas que possibilitem a resolução extrajudicial de conflitos. Sua atuação é orientada pela Resolução CNMP nº 243/2021, que estabelece diretrizes específicas para a adoção de programas restaurativos, bem como pela articulação de redes institucionais voltadas ao enfrentamento da criminalidade e à promoção da pacificação social.
Conforme a normativa, o MP deve fomentar e implementar projetos que utilizem técnicas como negociação, mediação e conferências restaurativas, com vistas à reparação de traumas decorrentes de crimes ou atos infracionais. A Resolução também destaca a necessidade de atuação em rede, por meio de termos de cooperação e parcerias com órgãos públicos, entidades privadas e organizações da sociedade civil, ampliando a abrangência e a efetividade dos programas restaurativos.
Além disso, o MP tem a incumbência de garantir que as práticas restaurativas respeitem os direitos das partes envolvidas, em especial da vítima, assegurando que o processo seja conduzido de forma ética e voluntária. A vítima deve ser devidamente informada sobre suas possibilidades de participação, enquanto o ofensor deve compreender plenamente as implicações de sua adesão ao processo. Essa supervisão é essencial para que a Justiça Restaurativa não seja desvirtuada ou utilizada de maneira inadequada.
Na prática, o Ministério Público tem liderado iniciativas emblemáticas, como a integração de programas restaurativos em Varas de Violência Doméstica, em articulação com o Poder Judiciário e demais instituições. Nesses casos, a atuação do MP é particularmente significativa, pois envolve não apenas a mediação entre vítima e ofensor, mas também o acompanhamento de medidas socioeducativas e a prevenção de reincidência em contextos de alta vulnerabilidade.
Por fim, destaca-se que o Ministério Público, enquanto fiscal da ordem jurídica, atua como garantidor da legalidade e da efetividade das práticas restaurativas, assegurando que seus resultados estejam alinhados com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da pacificação social. Esse papel integra a missão institucional do MP de promover justiça e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
A Justiça Restaurativa alinha-se aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da efetividade social, promovendo soluções pacíficas e justas para os conflitos sociais. Apesar dos desafios, como a resistência cultural e a necessidade de formação especializada, a prática demonstra resultados expressivos.
Trata-se de instrumento que representa um avanço significativo na forma de tratar os conflitos no Brasil, promovendo um modelo que prioriza a reparação dos danos, a responsabilização do ofensor e a pacificação social. Por meio de sua abordagem dialogada e humanizada, ela busca superar as limitações da justiça retributiva, colocando vítimas, ofensores e a comunidade como protagonistas no processo de resolução.
A atuação do CNJ e do Ministério Público tem sido fundamental para a consolidação dessa prática no país, por meio da criação de normativas, da implementação de programas e da articulação de redes interinstitucionais. A aplicação prática em diversas áreas, como a violência doméstica e as medidas socioeducativas, demonstra seu potencial transformador, contribuindo não apenas para a redução da reincidência, mas também para a construção de uma sociedade mais solidária e justa.
No entanto, o sucesso da Justiça Restaurativa depende da continuidade dos esforços para sua difusão e fortalecimento, incluindo a capacitação de profissionais, o engajamento das instituições e a conscientização da sociedade. Assim, ela se consolida como uma alternativa eficaz e ética, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade humana, da efetividade social e da promoção da paz.