No Tema Repetitivo 1134, o STJ analisou a controvérsia que envolve a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação, quando há previsão de tal responsabilidade no edital do leilão. O debate se fundamenta na interpretação do art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), e na observância dos princípios constitucionais e legais que regulam o Direito Tributário.
- Princípios Constitucionais e o CTN
- O art. 146, III, da Constituição Federal determina que a responsabilidade tributária seja regulamentada por lei complementar, inclusive no que se refere às hipóteses de atribuição de responsabilidade a terceiros. O CTN, recepcionada pela CF/88 como lei complementar, trata dessa responsabilidade no art. 128, ao prever que esta pode ser atribuída a terceiros com vínculo direto ao fato gerador do tributo.
- O art. 130 do CTN, por seu turno, atribui responsabilidade ao sucessor por débitos de natureza tributária ligados ao imóvel adquirido, mas ressalva, no parágrafo único, que em caso de aquisição por leilão público, o crédito tributário será sub-rogado no valor da arrematação, isentando o arrematante de responder pelos débitos anteriores.
- Aquisição em hasta pública e a natureza da responsabilidade
- A responsabilidade do arrematante por débitos anteriores do imóvel dependerá da forma como o bem foi adquirido. A aquisição originária, típica da arrematação judicial, não gera vínculo direto entre o arrematante e o devedor original, eliminando a transmissão de ônus fiscais. Isso difere da compra derivada, em que há continuidade de vínculo com o anterior proprietário, resultando na obrigação propter rem do adquirente pelos débitos tributários incidentes sobre o bem.
- Assim, o terceiro que adquire o imóvel por meio de arrematação pública não herda os débitos tributários incidentes antes da arrematação. Esse entendimento fundamenta-se na ideia de que a arrematação judicial ocorre de maneira direta e independente, sem a transmissão dos ônus pré-existentes, salvo no valor da sub-rogação do crédito tributário no preço ofertado.
- Edital de leilão e limitações legais
- De acordo com o art. 886, VI, do CPC, o edital de leilão deve especificar os ônus sobre o bem, mas não confere responsabilidade tributária ao arrematante, que é regulada por normas tributárias de caráter cogente. A responsabilidade por tributos não pode ser criada ou alterada por disposições editalícias, visto que se trata de matéria sujeita à reserva de lei complementar, conforme o art. 146, III, da CF.
- Portanto, a eventual previsão em edital do leilão, que atribua ao arrematante a responsabilidade pelos débitos tributários preexistentes, não possui validade. Isso ocorre porque a lei complementar (CTN), que possui força normativa superior a uma disposição editalícia, já regula o tema de maneira exaustiva. A imposição de tais ônus tributários ao arrematante em hastas públicas só poderiam ocorrer mediante alteração legislativa específica.
- Conclusões e tese jurídica firmada
- Conclui-se que a arrematação pública é uma modalidade de aquisição originária que não acarreta a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação. Além disso, o edital do leilão, enquanto ato administrativo, não pode inovar sobre as responsabilidades tributárias definidas pelo CTN.
- TESE: Diante do disposto no art. 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é inválida a previsão em edital de leilão atribuindo responsabilidade ao arrematante pelos débitos tributários que já incidiam sobre o imóvel na data de sua alienação.
- Modulação dos Efeitos da Decisão
- Em nome dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, os efeitos dessa decisão foram modulados para que a tese seja aplicada apenas aos leilões cujos editais sejam publicados após a divulgação da ata de julgamento do tema repetitivo. Essa modulação se aplica de maneira imediata para processos judiciais ou administrativos pendentes de julgamento, conforme o art. 1.035, § 11, do CPC.
Em síntese, o STJ estabelece que o arrematante não pode ser responsabilizado por débitos tributários preexistentes à arrematação, assegurando que a responsabilidade tributária do adquirente em leilão público é limitada ao preço da arrematação, em respeito às normas constitucionais e ao regime cogente do Direito Tributário.
REsp 1.914.902-SP, Rel. Ministro Teodoro Silva Santos, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 9/10/2024. (Tema 1134).