No julgamento dos REs 979742 e 1212272, o STF decidiu que o princípio da liberdade religiosa pode justificar a obrigação do poder público de custear tratamentos de saúde diferenciados. Especificamente, a Corte reconheceu o direito de Testemunhas de Jeová, adultas e capazes, recusarem procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, em respeito à sua crença religiosa. Em tais casos, o Estado deve providenciar alternativas terapêuticas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ainda que seja necessário recorrer a estabelecimentos localizados em outras regiões.
A Corte reafirmou a relevância da liberdade religiosa, alinhando-a aos direitos fundamentais à vida e à saúde, conforme previsto na Constituição Federal. A tese fixada pelo STF, com repercussão geral reconhecida, impõe que o Estado forneça condições para que os cidadãos vivam de acordo com seus ritos e crenças, sem sofrer coerção ou discriminação.
No entanto, essa liberdade religiosa, ao permitir a recusa de tratamento, deve ser exercida de forma consciente e informada, abrangendo apenas o paciente adulto. Quando se trata de crianças e adolescentes, prevalece o princípio do melhor interesse para a saúde e vida, de modo que os pais não podem impedir tratamentos médicos essenciais com base em suas crenças.
Nos casos concretos analisados, a União recorreu de decisão que a condenou, junto com o Estado do Amazonas e o Município de Manaus, a arcar com os custos de uma cirurgia sem transfusão de sangue para uma paciente, sendo o procedimento oferecido em outro estado, já que não estava disponível no Amazonas. No RE 1212272, uma paciente foi encaminhada para cirurgia de substituição de válvula aórtica, mas o procedimento foi rejeitado após sua negativa em assinar consentimento para transfusões.
Essa decisão reflete a sensível conciliação entre a liberdade religiosa e a proteção à vida, com a exigência de que o Estado, sempre que possível, ofereça alternativas adequadas, desde que estejam disponíveis no SUS.
As TESES de repercussão geral fixadas são as seguintes:
RE 979742:
1 – Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimento médico que envolva transfusão de sangue, com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
2 – Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.
RE 1212272:
1 – É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recursar-se a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por motivos religiosos é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.
2 – É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo Sistema Único de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.
REs 979742 e 1212272, julgados em 25/09/2025