Os diversos aspectos do instituto à luz do Código Civil, do CDC e da jurisprudência
Teoria bastante conhecida no âmbito do Direito Civil é a da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – que, basicamente, permite, na sua forma direta, atingir o patrimônio particular dos sócios para saldar eventuais obrigações da pessoa jurídica. Dito de outro modo, desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou sócios.
Diz-se “direta” porque existem outras duas modalidades quanto à sua forma: indireta ou expansiva.
Na desconsideração indireta, como o próprio nome diz, a ordem se inverte: para sanar obrigações particulares dos sócios, o credor busca patrimônio da pessoa jurídica. O exemplo clássico é na ação de alimentos em que o devedor, para ocultar seu patrimônio, transfere bens de sua titularidade para a sociedade empresária da qual é sócio, podendo o credor dos alimentos buscar no patrimônio da pessoa jurídica a satisfação do seu crédito.
Já na desconsideração expansiva é possível atingir o patrimônio do sócio oculto que se utiliza, de forma fraudulenta, de um terceiro para controlar a sociedade. Em outras palavras, observa-se a extensão dos efeitos da desconsideração para atingir os sócios ocultos que, por sua vez, se valem de tal situação para tentar frustrar os credores.
Todas essas modalidades acima expostas estão incluídas no que se chama TEORIA MARIOR da desconsideração da personalidade jurídica.
A teoria foi assim denominada porque exige uma maior quantidade de requisitos para que haja a desconsideração da personalidade, não sendo suficiente a mera inexistência de patrimônio social. Essa é a teoria adotada pelo Código Civil que, em seu artigo 50, define como requisitos para a desconsideração a existência de DESVIO DE FINALIDADE ou CONFUSÃO PATRIMONIAL.
Dito de outro modo, pela teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, adotada no art. 50 do C.C., não basta a mera caracterização do estado de insolvência da sociedade empresária para fins de aplicação do instituto – o que, inclusive, é dispensado de comprovação, conforme Enunciado 281 do CJF/STJ: A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica –, sendo necessário que tenha ocorrido abuso de direito, seja na modalidade desvio de finalidade, seja como na confusão patrimonial.
A desconsideração da personalidade também pode ser aplicada no caso de grupos de sociedade, conforme preconiza o Enunciado n° 406 do CJF/STJ, in verbis:
A desconsideração da personalidade jurídica alcança os grupos de sociedade quando estiverem presentes os pressupostos do art. 50 do Código Civil e houver prejuízo para os credores até o limite transferido entre as sociedades.
Todavia, o instituto se traduz em instrumento que deve ser utilizado de forma excepcional, visto que a regra é a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, ou seja, a independência entre os patrimônios do sócio e da sociedade empresária. Sua aplicação, pela teoria maior, deve se ater a casos específicos, quando restar configurado o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Esse tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
A desconsideração da personalidade jurídica constitui regra de exceção, pois configura restrição à autonomia patrimonial da pessoa de jurídica, de forma que a interpretação que melhor se coaduna com o art. 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial, de sorte que o encerramento das atividades ou dissolução, ainda que irregulares, da sociedade não são causas, por si só, para a desconsideração da personalidade jurídica, nos termos do Código Civil. (EREsp n° 1.306.553/SC, Rel.: Min. Maria Isabel Gallotti, Órgão Julgador: 2ª Seção, j. em 10.12.2014).
A Teoria Menor, como o próprio nome indica, exige menos requisitos para que seja aplicada, de modo que a mera inexistência de patrimônio da sociedade, POR SI SÓ, já seria suficiente para atingir o patrimônio dos sócios. Tal teoria foi adotada, por exemplo, pelo art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, nas relações consumeristas, o CDC acaba por privilegiar a parte economicamente hipossuficiente (o consumidor), de forma que este não precise demonstrar desvio de finalidade ou confusão patrimonial para requerer a desconsideração.
Quanto à aplicação do art. 28, §5º, do CDC, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.860.333/DF, em 11/10/2022, acabou por estabelecer que a aplicação da Teoria Menor no âmbito do direito consumerista não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário, ou seja, o administrador não-sócio.
A Corte Superior entendeu que “o art. 50 do CC, que adota a teoria maior e permite a responsabilização do administrador não-sócio, não pode ser analisado em conjunto com o parágrafo 5º do art. 28 do CDC, que adota a teoria menor, pois este exclui a necessidade de preenchimento dos requisitos previstos no caput do art. 28 do CDC permitindo a desconsideração da personalidade jurídica, por exemplo, pelo simples inadimplemento ou pela ausência de bens suficientes para a satisfação do débito”.
Ou seja, dada a especificidade da norma consumerista, não é possível a adoção de uma interpretação extensiva com a atribuição da abrangência apenas prevista no artigo 50 do Código Civil, especificamente no que concerne à responsabilização de administrador não sócio.
Portanto, no âmbito da Teoria Maior, adotada pelo Código Civil, é possível a responsabilização do administrador não-sócio, desde que comprovado DESVIO DE FINALIDADE ou CONFUSÃO PATRIMONIAL. Quando se tratar de aplicação da Teoria Menor, a responsabilização não poderá recair sobre administrador não-sócio.