A controvérsia jurídica analisada pelo STJ consiste em determinar se é compulsória a vacinação de crianças e adolescentes contra a COVID-19 no território nacional, à luz do ordenamento jurídico vigente.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a concepção de autoridade parental foi substancialmente modificada. Abandonou-se a noção hierárquica e patriarcal anteriormente vigente, para se adotar o modelo de poder-dever, segundo o qual ambos os genitores têm a incumbência constitucional de assegurar o pleno desenvolvimento, a proteção e a assistência à prole. Tal dever é balizado pelo princípio da paternidade responsável e pela doutrina da proteção integral, conforme preceitua o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual estabelece que nenhuma criança ou adolescente será submetido a qualquer forma de negligência no tocante aos seus direitos fundamentais.
O exercício da autoridade parental, embora necessário e constitucionalmente assegurado, não é absoluto. A vulnerabilidade natural da infância e adolescência impõe que, em determinadas situações, o Estado atue de forma supletiva para resguardar o interesse superior do menor. Nesse contexto, eventuais escolhas dos pais que contrariem o melhor interesse da criança podem configurar violação ao dever legal de cuidado e proteção.
No que tange à saúde, o art. 14, §1º, do ECA dispõe que é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. A recusa injustificada dos responsáveis legais em submeter seus filhos ao calendário vacinal oficial, especialmente diante de inexistência de contraindicação médica específica, caracteriza hipótese de negligência parental, passível de intervenção estatal.
O STF, por ocasião do julgamento do ARE 1.267.879/SP, firmou entendimento vinculante no Tema 1103 da Repercussão Geral, segundo o qual é legítima a imposição da vacinação obrigatória desde que observados os seguintes critérios: (a) inclusão da vacina no Programa Nacional de Imunizações; (b) previsão legal expressa sobre sua obrigatoriedade; ou (c) imposição por ente federado, com respaldo em evidência médico-científica.
Importa destacar que a vacinação não se destina apenas à proteção individual do menor, mas constitui medida de saúde pública coletiva, cuja finalidade é evitar a disseminação de doenças e promover a erradicação ou o controle epidemiológico de enfermidades. Assim, insere-se no âmbito do dever estatal de garantir uma infância segura, saudável e protegida.
Dessa forma, estando a vacina contra a COVID-19 recomendada pelas autoridades sanitárias e incluída nas diretrizes oficiais de imunização, sua aplicação torna-se obrigatória. A negativa dos responsáveis legais, mesmo após advertência por parte do Conselho Tutelar e do Ministério Público, configura descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar, autorizando a imposição das sanções previstas no art. 249 do ECA, notadamente a multa administrativa.
RESUMO: A recusa dos pais em vacinar filho ou adolescente contra a COVID-19, mesmo advertidos dos riscos de sua conduta pelo Conselho Tutelar Municipal e pelo Ministério Público Estadual, autoriza a aplicação da sanção pecuniária prevista no art. 249 do ECA.
Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/3/2025, DJEN 24/3/2025.