O Superior Tribunal de Justiça concedeu habeas corpus para anular todos os atos de um processo por injúria racial contra um homem negro, acusado de ofender um italiano com referências à cor da pele. A Corte afastou a possibilidade de reconhecimento do chamado “racismo reverso” e estabeleceu importantes fundamentos sobre a configuração do crime de injúria racial no ordenamento jurídico brasileiro.
O conceito de injúria racial e sua previsão legal
A injúria racial está prevista no artigo 2º-A da Lei n.º 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Tal dispositivo visa proteger grupos historicamente discriminados, sendo uma expressão específica da criminalização do racismo. Assim, a interpretação da norma deve considerar a realidade social e a existência de hierarquias raciais impostas historicamente.
Nesse sentido, a tipificação do crime de injúria racial deve ser interpretada em consonância com o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do Conselho Nacional de Justiça, que reforça a necessidade de se considerar as estruturas de opressão racial na aplicação da lei penal.
O afastamento do “racismo reverso”
A decisão do STJ rechaça a ideia de “racismo reverso”, que pressuporia que pessoas brancas poderiam ser vítimas de racismo nos mesmos moldes que grupos historicamente marginalizados. O Tribunal entendeu que o racismo é um fenômeno estrutural, baseado na história de exclusão de determinados grupos raciais em contextos de poder e privilégio.
Nesse sentido, a injúria racial, para se configurar, exige uma relação de opressão histórica. Para o STJ, a expressão “grupos minoritários” na Lei n.º 7.716/1989 não se refere exclusivamente ao número de pessoas pertencentes a determinada coletividade, mas àquelas que, mesmo numericamente majoritárias, sofrem discriminação sistemática e institucionalizada.
Portanto, não é possível enquadrar pessoas brancas como minoria nesse contexto, pois elas não são histórica e estruturalmente discriminadas. O STJ deixou claro que ofensas dirigidas a pessoas brancas podem configurar outros crimes contra a honra, como calúnia, difamação ou injúria simples, mas não se enquadram na injúria racial.
O impacto da decisão e seus reflexos no direito penal
A decisão do STJ reafirma uma interpretação alinhada às diretrizes dos tratados internacionais sobre discriminação racial e às normas de proteção dos direitos humanos. Ao afastar o “racismo reverso”, o Tribunal reforça o papel da legislação antirracista na proteção de grupos que, historicamente, foram privados de direitos e acesso equitativo à cidadania plena.
A jurisprudência estabelecida pode impactar a forma como casos semelhantes serão julgados, garantindo que a legislação penal seja aplicada de maneira coerente com a realidade social brasileira. Isso também previne o uso distorcido da lei penal para criminalizar a expressão de ressentimentos ou críticas históricas feitas por grupos marginalizados contra aqueles que tradicionalmente ocuparam posições de privilégio.
É dizer, a decisão do STJ acaba por reafirmar a função social da lei de crimes raciais e a necessidade de interpretar normas penais em sintonia com o contexto histórico de desigualdade racial no Brasil. O afastamento da ideia de “racismo reverso” reforça o entendimento de que o racismo é um fenômeno estrutural e que a proteção legal se destina a grupos efetivamente discriminados ao longo da história.
Ainda que ofensas dirigidas a pessoas brancas possam configurar crimes contra a honra, a injúria racial não se aplica nesses casos, pois sua finalidade é combater a marginalização histórica de determinados grupos raciais.
HC nº 929002/AL, julgado em 04/02/2025.