Certo ou errado? Uma ordem judicial brasileira que determine a indisponibilidade de conteúdo na internet considerado difamatório deve ter seus efeitos limitados ao território nacional, sob pena de violação à soberania de outros países.
ERRADO.
Para o STJ, a efetivação, de forma global, de indisponibilidade de conteúdo de internet em cumprimento à ordem judicial não se traduz em ofensa à soberania estrangeira.
A Corte argumenta que é preciso considerar a prática internacional, que demonstra, em várias jurisdições, a adoção de ordens judiciais com alcance global para remoção de conteúdos considerados ilegais. Decisões judiciais proferidas em regiões como Europa, América do Norte, Ásia e Oceania indicam a adoção de uma postura mais proativa em relação à resolução de conflitos decorrentes da disseminação global de informações na internet.
Essa abordagem reflete a inadequação dos conceitos tradicionais de jurisdição e território para lidar com a natureza transnacional da rede mundial de computadores.
No âmbito brasileiro, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que a análise sobre violação de soberania refere-se à soberania nacional e seus reflexos em decisões estrangeiras no Brasil, e não o contrário. Além disso, já se consolidou o entendimento segundo o qual a jurisdição brasileira pode alcançar conteúdos armazenados fora do país, especialmente em hipóteses de coleta, guarda ou tratamento de dados fora do território nacional, desde que esses dados afetem interesses brasileiros.
Antes mesmo do advento da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), a jurisprudência brasileira reconhecia os efeitos extraterritoriais de decisões judiciais voltadas à remoção de conteúdos online. O Marco Civil consolidou essa evolução normativa, rompendo barreiras geográficas para assegurar a efetividade da jurisdição brasileira sobre conteúdos relacionados ao país. O artigo 11 da norma determina que dados coletados em território nacional, mesmo quando armazenados fora do Brasil, estão sujeitos à legislação e à jurisdição brasileiras, obrigando os provedores de aplicações a cumprir ordens judiciais de retirada ou disponibilização de informações.
No caso concreto, uma empresa brasileira do setor alimentício foi alvo de difamação por meio da disseminação de conteúdo falso (alegação de existência de ratos em suas dependências) em uma plataforma de compartilhamento de vídeos (YouTube). A mera indisponibilidade do conteúdo em território brasileiro revelou-se insuficiente, visto que o material permaneceu acessível em outros países por meio da mesma plataforma. Assim, a ordem judicial de remoção global do conteúdo difamatório mostra-se necessária para garantir a proteção efetiva da honra e da reputação da empresa lesada.
O fundamento, portanto, está no interesse público e na legislação nacional, configurando como mero efeito natural a sua aplicação global, dado o caráter transnacional da internet, conforme reconhecido no artigo 5º, I, do Marco Civil da Internet. Além disso, a restrição à liberdade de expressão para proteger a honra e a reputação de terceiros é legítima no direito internacional, desde que obedeça aos critérios de (i) previsão legal da ilicitude do ato, (ii) revisão judicial independente, (iii) proporcionalidade na medida aplicada e (iv) ausência de discriminação com base em atributos pessoais.
Por fim, a extraterritorialidade da ordem de remoção está em consonância com a orientação da ONU para a concentração de responsabilizações civis em um único foro, com vistas a evitar múltiplas penalizações por uma mesma publicação em diferentes jurisdições. Essa diretriz reforça a pertinência e a legitimidade da decisão judicial brasileira ao harmonizar o controle do conteúdo online com o direito internacional e a efetividade na proteção de direitos fundamentais.
RESUMO: Inexiste ofensa à soberania estrangeira a efetivação de forma global de uma ordem judicial específica de indisponibilidade de conteúdo na internet, considerado infrator segundo o direito brasileiro.
REsp 2.147.711-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 12/11/2024, DJe 26/11/2024.