O princípio da consunção tem como objetivo resolver o conflito aparente de normas penais, aplicando-se quando um delito se apresenta como meio necessário ou comum para a preparação ou execução de outro crime mais abrangente. Nesses casos, o agente será responsabilizado apenas pelo delito final, desde que fique demonstrado o nexo de dependência entre as condutas, permitindo que uma seja absorvida pela outra.
Na jurisprudência do STJ, já se consolidou o entendimento de que a aplicação do princípio da consunção não é impedida pela proteção de bens jurídicos distintos ou mesmo pela absorção de crime mais grave por outro de menor gravidade. Como exemplo, no Tema 933 dos Recursos Repetitivos, a 3ª Seção do STJ firmou a seguinte tese “Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido, como crime-fim, condição que não se altera por ser menor a pena a este cominada” (REsp n.º 1.378.053/PR). De forma semelhante, o Enunciado 17 da Súmula do STJ dispõe que “Quando o falso se exaure no descaminho, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido.”
Com base nessa sistemática, o STJ enfrentou a questão sobre a relação entre o tráfico de drogas majorado pelo art. 40, IV, da Lei n.º 11.343/2006, e o porte ou posse ilegal de arma de fogo, previsto no Estatuto do Desarmamento. O ponto central dessa análise é determinar se o uso da arma de fogo configura um delito autônomo ou se é absorvido pelo crime de tráfico de drogas quando há conexão funcional entre as condutas.
O entendimento predominante na 3ª Seção do STJ é de que, quando o uso da arma está diretamente relacionado ao sucesso do tráfico de drogas — isto é, quando há um nexo finalístico entre as condutas —, o crime de porte ou posse de arma de fogo é absorvido pelo tráfico, impedindo a aplicação do concurso material. Nessa perspectiva, a posse ou porte de arma de fogo é considerada um meio instrumental para viabilizar ou facilitar o crime de tráfico, deixando de ser tratado como delito autônomo.
Segundo a Corte, nesses casos, a arma de fogo não possui uma autonomia funcional, pois serve como ferramenta indispensável para a execução ou proteção da atividade ilícita de tráfico de drogas, seja para intimidar terceiros, proteger o território do tráfico, ou garantir a segurança das transações criminosas. Assim, a conduta referente à arma é absorvida pelo tráfico, evitando a dupla punição para atos que estão intrinsecamente conectados.
O STJ adota interpretação que busca evitar uma sobrecarga punitiva, alinhando-se ao princípio da proporcionalidade. O reconhecimento de um nexo finalístico entre os crimes reforça a ideia de que a intenção principal do agente está direcionada ao tráfico de drogas, sendo a arma de fogo apenas um meio para facilitar ou garantir o sucesso dessa atividade.
Entretanto, na ausência de conexão direta entre as condutas, a posse ou porte ilegal de arma de fogo será tratado como crime autônomo, configurando-se o concurso material de infrações.
TESE: A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei n. 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas.
REsp 1.994.424-RS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2024. (Tema 1259).