Julgamento da ADI 5492 e declaração de inconstitucionalidade do art. 52, Parágrafo Único, do CPC
O artigo 52, Parágrafo Único, do CPC, alvo de muitos questionamentos desde a edição do Código, estabelecia que se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.
O dispositivo indicado justificava o ajuizamento de demandas em face de Municípios em comarcas muito distantes da sede municipal, de modo a desvirtuar a própria intenção do legislador infraconstitucional e a concretizar prejuízos irreparáveis ao erário público.
Em que pese ter sido editada buscando garantir ao particular, hipossuficiente, demandar no foro de seu domicílio, a norma mencionada ofendia, a um só tempo, a garantia do contraditório participativo e a defesa efetiva dos entes públicos.
Isso porque as procuradorias estaduais e municipais não possuem estrutura nacional, como a Advocacia-Geral da União (AGU), havendo nítida ofensa ao poder de auto-organização dos Estados para disciplinar a Justiça Estadual, provocando empecilhos à gestão. Dito de outro modo, as Procuradorias Estaduais/Municipais não possuem a capilaridade da AGU, o que ocasionaria a irrealizável missão de se defenderem em juízo em todas as demais unidades federativas do país.
O dispositivo questionado certamente foi inspirado no artigo 109, §2º, da CF/88:
- § 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
A Justiça Estadual, por sua vez, é objeto de disciplina nos artigos 125 e 126 da Carta Magna. O artigo 125 atribui aos Estados competência para organização de sua justiça, de acordo com os princípios estabelecidos na ordem constitucional, determinando que a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
O fato de o Judiciário ser uno e nacional não afasta a distribuição de competências estabelecida na Constituição da República.
A opção do autor de demandar em seu próprio domicílio submeterá as Fazendas Públicas Estaduais e Municipais à irrealizável missão de se defenderem em juízo em todas as demais unidades federativas do país, transformando-se o que hoje é excepcional em ordinário, reduzindo-se a efetividade da garantia do contraditório participativo (art. 5º, LV, da CF/88), retirando as condições mínimas para a defesa técnica do réu.
No caso hipotético de uma ação que questiona uma infração de trânsito cometida dentro dos limites do Município X, este poderia ser demandado em qualquer comarca do país, a depender de onde residir o requerente o que, obviamente, tornaria impossível a apresentação de defesa técnica em razão das evidentes limitações estruturais de um órgão que, por sua própria natureza, é local e não nacional.
Seguindo o raciocínio do artigo 52, Parágrafo Único, do CPC/15, o Município X poderia ser demandado em qualquer comarca do país, mesmo que não houvesse um vínculo mínimo entre tal foro e os elementos objetivos da demanda, fruto da mera vontade do autor. E teria de fazer isso a partir de um raciocínio analógico extremamente perverso, que transpõe a regra do artigo 109, §2º, da CF/88 para as esferas estadual e municipal ignorando que, por imposição da mesma Constituição, somente a União, e não os Estados e Municípios, está presente e desempenha atividades administrativas em todo o território nacional e a defesa técnica em juízo da Administração Pública Municipal é necessariamente promovida pela carreira dos Procuradores do Município da respectiva unidade, que evidentemente não pode e jamais será estruturada nacionalmente, ao contrário dos segmentos da AGU.
De acordo com a divisão implementada pela União, a Justiça Federal exerce jurisdição sobre todo território brasileiro, para as causas enumeradas no artigo 109. Por outro lado, a atuação das justiças estaduais limita-se ao território do respectivo Estado, conforme interpretação sistemática dos artigos 18, 25, §1º, e 125, todos da CF/88.
A definição de competência de jurisdição constitui matéria reservada à Constituição da República, não estando o legislador ordinário autorizado a subverter o delineamento constitucional da jurisdição, pautado no pacto federativo.
Assim, o limite territorial deve ser considerado na interpretação dos dispositivos do CPC/15. Isso porque a aplicação das normas sem observância do limite territorial importaria ofensa ao pacto federativo, pois permitiria que um ente federado fosse submetido à jurisdição de outro ente, gerando desestabilização do pacto federativo, em descompasso com o artigo 18 da CF/88.
E foi com base nessa fundamentação que o STF, em 27/04/2023, no julgamento da ADI 5492, atribuiu interpretação conforme a Constituição ao art. 52, parágrafo único, do CPC, para restringir a competência do foro de domicílio do autor às comarcas inseridas nos limites territoriais do Estado-membro ou do Distrito Federal que figure como réu. Em outras palavras, hoje o Estado, o DF ou o Município apenas podem ser demandados nas comarcas inseridas nos seus respectivos limites territoriais, independentemente de onde seja o foro de domicílio do autor.
Trata-se de tema de extrema relevância, principalmente para os concursos da advocacia pública, podendo ser cobrado em provas objetivas, subjetivas (endereçamento correto da peça processual) e orais.