A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC tem sido objeto de debate, especialmente diante da interposição de agravo interno contra decisões amparadas em precedentes qualificados, nos termos do art. 927, III, do CPC. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inicialmente pacificada sob a égide do CPC/73 (Tema Repetitivo 434/STJ), considerava que tal agravo, ainda que com intuito de exaurimento da instância ordinária, não configurava hipótese de manifesta inadmissibilidade ou improcedência. No entanto, diante da nova sistemática processual e da função normativa dos precedentes vinculantes, o entendimento passou a ser revisto.
O § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 prevê a imposição de multa de até 5% do valor corrigido da causa ao recorrente que tiver seu agravo interno declarado manifestamente inadmissível ou improcedente, por decisão unânime do colegiado.
Sob a perspectiva atual, o STJ tem considerado que, se o agravo interno é interposto contra decisão fundada em precedente qualificado (como recurso especial repetitivo, repercussão geral ou incidente de assunção de competência), e não há alegação fundamentada de distinção ou superação, a insurgência revela-se, de forma objetiva, manifestamente improcedente, autorizando, portanto, a aplicação da sanção processual.
Nesse cenário, o simples argumento de que se pretende “exaurir a instância” não é suficiente para afastar a multa, pois essa prática compromete a efetividade do sistema de precedentes, cuja observância é obrigatória conforme dispõe o art. 927 do CPC. Admitir recursos meramente protelatórios em face de decisões fundadas em tese firmada pelos tribunais superiores esvazia a finalidade do precedente vinculante.
Apesar da possibilidade de aplicação da penalidade, o STJ também delineou hipóteses nas quais a multa do art. 1.021, § 4º, deve ser afastada, a saber:
- Distinção ou superação fundamentada: Se o recorrente demonstrar, com base em elementos fáticos ou jurídicos, que o caso concreto não se amolda ao precedente (distinguishing), ou que há motivos para sua superação (overruling), não se configura a manifesta improcedência do recurso. Tal alegação, contudo, deve ser apresentada na primeira oportunidade processual, conforme preconizado no art. 1.037, §§ 8º a 13, do CPC.
- Decisão agravada amparada em acórdão de tribunal de segundo grau: Quando a decisão recorrida não tem por base precedente qualificado do STJ ou STF, mas sim orientação jurisprudencial local, a aplicação da multa se mostra incabível, pois não há ofensa ao regime dos precedentes vinculantes.
Além disso, mesmo nas hipóteses em que se verifica a improcedência do recurso, a aplicação da penalidade deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto.
Nesse sentido, a revisão do Tema 434/STJ reflete a consolidação do modelo de precedentes no CPC/2015 e a exigência de racionalidade recursal. A interposição de agravo interno contra decisão fundada em precedente qualificado, desacompanhada de fundamentação apta a demonstrar sua inaplicabilidade ao caso concreto, autoriza a aplicação da multa do art. 1.021, § 4º, do CPC.
Contudo, a sanção deve ser excepcionada quando presentes causas justificadoras, como distinção ou superação fundamentadas, ou quando a decisão agravada tem origem em acórdão não qualificado. Nessas hipóteses, deve prevalecer a ponderação do órgão colegiado quanto à aplicação da penalidade, de forma a resguardar o devido processo legal e a função legítima do sistema recursal.
TESE:
1) O agravo interposto contra decisão do Tribunal de origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e/ou extraordinário, quando apresentado contra decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC (revisão do Tema 434/STJ);
2) A multa prevista no art. 1.021, § 4º, CPC, não é cabível quando (i) alegada fundamentadamente a distinção ou a superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF ou (ii) a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau;
3) Excetuadas as hipóteses supra, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa, considerando-se as peculiaridades do caso concreto.
REsp 2.043.826-SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 6/8/2025 (Tema 1201).