A promulgação da Lei nº 15.176, de 23 de julho de 2025, representa marco significativo na tutela jurídica das pessoas com condições crônicas debilitantes no Brasil, ao reconhecer a fibromialgia, a síndrome da fadiga crônica e a dor regional complexa como deficiências para fins legais. A norma, que entra em vigor em janeiro de 2026, visa conferir proteção ampliada aos portadores dessas condições, inserindo-os no regime jurídico da pessoa com deficiência (PcD) nos termos da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e demais normas correlatas.
O novo diploma legal resulta de um movimento legislativo que buscou uniformizar nacionalmente o tratamento jurídico das síndromes crônicas que, embora não manifestem lesões físicas objetivas, podem acarretar impedimentos relevantes ao exercício de direitos fundamentais. A norma foi aprovada sem vetos e publicada no Diário Oficial da União em 24 de julho de 2025, com vacância de 180 dias.
A nova redação legal inseriu as condições mencionadas no rol de situações passíveis de enquadramento como deficiência, condicionando sua aplicação à comprovação, mediante avaliação biopsicossocial, da existência de impedimentos de longo prazo que, em interação com barreiras, obstruam a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (conforme definido no art. 2º do Estatuto da PcD).
Importante destacar que a equiparação legal não se dá de forma automática. A legislação prevê, em consonância com as diretrizes já estabelecidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, a exigência de avaliação técnica e multidisciplinar para aferição da deficiência, reiterando a compreensão de que a fibromialgia pode, mas nem sempre gera, condição incapacitante relevante para fins jurídicos.
A inclusão da fibromialgia no regime jurídico das PcDs repercute diretamente em diversas esferas do direito, ampliando o acesso dos pacientes aos seguintes direitos:
Direito ao trabalho e à inclusão profissional
Com a vigência da nova norma, os portadores de fibromialgia com limitações funcionais comprovadas passam a integrar:
- o regime de cotas em concursos, garantindo participação nas vagas reservadas a PcDs;
- a Lei nº 8.213/1991, que impõe a empresas com mais de 100 empregados a reserva de 2% a 5% dos cargos a pessoas com deficiência, conforme o art. 93 do referido diploma legal.
Benefícios assistenciais e previdenciários
A nova lei favorece o acesso de fibromiálgicos ao Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), desde que preenchidos os critérios de renda e avaliação biopsicossocial, superando o entrave jurídico anterior, que exigia demonstração judicial de deficiência funcional diante da ausência de previsão legal expressa.
Do ponto de vista previdenciário, os pacientes passam a ter respaldo jurídico reforçado para pleitear:
- aposentadoria da pessoa com deficiência (LC nº 142/2013), mediante avaliação do grau da deficiência;
- aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária, com base na combinação de avaliação médica e impacto funcional da síndrome.
Direitos fiscais e tributários
A norma possibilita aos fibromiálgicos, uma vez reconhecida a deficiência, o acesso a isenções fiscais, tais como:
- IPI, ICMS, IPVA e IOF na aquisição de veículos adaptados ou automáticos;
- isenção de IPTU, conforme legislação local;
- isenção de IR sobre aposentadorias, quando demonstrada moléstia incapacitante.
O reconhecimento amplia o acesso a todas as políticas públicas voltadas às PcDs, como atendimento preferencial, acessibilidade, passe livre interestadual, moradias adaptadas, entre outros, conforme previstos no Estatuto da PcD e demais legislações infraconstitucionais.
Do ponto de vista técnico-científico, a fibromialgia é reconhecida como uma síndrome dolorosa crônica, sem cura definitiva, que pode acarretar severo comprometimento funcional, sobretudo em casos graves. Tal reconhecimento fundamenta a inserção da patologia no regime jurídico das deficiências, desde que observada a individualidade dos casos.
Entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) e a Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) expressaram apoio institucional à nova legislação, desde que aplicada com rigor técnico. A SBR defende que o simples diagnóstico clínico da fibromialgia não deve ser automaticamente vinculado a direitos de PcD, cabendo avaliação individual sobre o grau de limitação funcional.
A avaliação multiprofissional exigida pela lei assegura a aplicação do modelo biopsicossocial previsto no Estatuto da PcD, garantindo segurança jurídica e proteção contra fraudes, conforme já defendido em pareceres técnicos de conselhos médicos.
Mesmo antes da edição da Lei nº 15.176/2025, o Poder Judiciário já enfrentava demandas envolvendo fibromialgia, reconhecendo, em algumas hipóteses, a possibilidade de aposentadoria por incapacidade ou tempo de contribuição especial (PcD), com base na comprovação de impedimento funcional prolongado.
Decisões do TRF4 e de tribunais estaduais (como o TJDFT) já vinham admitindo, em hipóteses concretas, a concessão de benefícios assistenciais e previdenciários, desde que comprovada a limitação severa imposta pela síndrome. A jurisprudência demonstrava sensibilidade ao tema, mas esbarrava na ausência de previsão legal expressa, lacuna agora suprida pela nova legislação.
A judicialização envolvendo leis estaduais e distritais (caso da Lei Distrital nº 7.336/2023) que reconheceram fibromialgia como deficiência sem base federal e sem exigência de avaliação multiprofissional também contribuiu para evidenciar a necessidade de uniformização da norma em nível nacional, finalidade atendida pela Lei nº 15.176/2025.
Portanto, a promulgação da Lei nº 15.176/2025 representa avanço significativo na política de inclusão e proteção das pessoas com condições crônicas incapacitantes, conferindo segurança jurídica ao reconhecimento da fibromialgia como causa potencial de deficiência. Ao condicionar esse reconhecimento à avaliação multiprofissional, a norma evita generalizações indevidas, respeitando a complexidade da condição e assegurando a aplicação individualizada do direito.
Sob a perspectiva jurídica, a nova legislação consolida entendimento já sinalizado por precedentes judiciais e atende à legítima expectativa de pacientes e associações civis, garantindo acesso igualitário a direitos assistenciais, previdenciários e sociais.
Por fim, trata-se de norma que concretiza os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia material e da proteção especial às pessoas com deficiência (arts. 1º, III; 5º, caput; e 23, II, da Constituição Federal), devendo ser aplicada com critério, mas também com sensibilidade à realidade social daqueles que sofrem com os efeitos incapacitantes da fibromialgia.