A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, estabeleceu em seu art. 150, VI, “c”, a imunidade de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos legais. Tradicionalmente, essa prerrogativa era interpretada de modo a excluir as entidades religiosas organizadas nos termos do art. 44, IV, do Código Civil, sob o argumento de que sua natureza jurídica se limitaria à promoção de atividades estritamente religiosas.
Contudo, essa compreensão foi substancialmente modificada com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 630.790/SP pelo STF, que deu origem à Tese de Repercussão Geral nº 336, a qual estabeleceu o seguinte:
As entidades religiosas podem se caracterizar como instituições de assistência social a fim de se beneficiarem da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição, que abrangerá não só os impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços, mas também os impostos sobre a importação de bens a serem utilizados na consecução de seus objetivos estatutários.
O novo entendimento reconhece que a atuação assistencial, mesmo quando inspirada por motivações religiosas — como o ensino, a caridade e a divulgação de valores dogmáticos —, é plenamente compatível com o conceito de assistência social constitucionalmente delineado nos arts. 194 e 203 da Carta Magna. Importa menos a forma jurídica da entidade (associação, fundação ou organização religiosa) e mais a substância das atividades desempenhadas.
Dessa forma, desde que atendam aos seguintes requisitos:
- ausência de finalidade lucrativa, conforme art. 14 do Código Tributário Nacional;
- prestação de atividades assistenciais nos moldes do art. 203 da CF, inclusive à luz de valores religiosos, como ensino e caridade;
- oferta indiscriminada ao público vulnerável, sem qualquer viés de discriminação religiosa;
Nesse sentido, as entidades religiosas, inclusive as constituídas como “organizações religiosas” nos moldes do art. 44, IV, do Código Civil, podem ser consideradas como instituições de assistência social para fins de gozo da imunidade tributária constitucional.
O entendimento adota uma visão conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade de crença (arts. 1º, III, e 5º, VI e VII, da CF), além de ressaltar que a imunidade deve ser interpretada de maneira teleológica, prestigiando sua função de estímulo à concretização dos direitos fundamentais sociais.
Portanto, o exercício de atividades de assistência social por organizações religiosas — mesmo que fundadas em valores confessionais — não lhes retira a condição de entidades imunes, desde que não reste comprovado desvio de finalidade ou não aplicação dos recursos auferidos em suas finalidades essenciais. Com isso, consagra-se uma leitura constitucional mais inclusiva e socialmente sensível da imunidade tributária, alinhada com a realidade plural do tecido associativo brasileiro e com o papel cooperativo que tais organizações desempenham na prestação de serviços de assistência social.