A concepção de “destinação pública” apta a afastar a possibilidade de usucapião de bens de empresas estatais, como sociedades de economia mista e empresas públicas, inclui imóveis momentaneamente inutilizados?
SIM.
O STJ tem interpretado esse conceito de maneira abrangente. Mesmo que um imóvel de uma sociedade de economia mista esteja temporariamente sem uso, ele pode ser protegido contra a usucapião se houver evidências de seu potencial para futura afetação a uma finalidade pública.
Nos termos da jurisprudência consolidada pelo STJ, os bens das sociedades de economia mista, enquanto destinados a finalidades públicas, são insuscetíveis de aquisição por usucapião. A interpretação sobre o alcance dessa “destinação pública” tem sido objeto de aprofundamento, principalmente quanto à possibilidade de se aplicar tal conceito a imóveis temporariamente inutilizados.
A questão primordial que se coloca é se a destinação pública, como obstáculo à usucapião, inclui imóveis pertencentes a sociedades de economia mista que, embora não estejam em uso imediato, mantêm a possibilidade de futura afetação ao interesse público. No julgamento do REsp n. 2.173.088/DF, o STJ reafirmou o entendimento de que o simples fato de um bem não estar em uso efetivo no presente não desconfigura sua natureza pública ou a sua destinação. Ou seja, mesmo os bens momentaneamente inutilizados, mas que possam ser empregados em atividades de interesse público no futuro, são protegidos contra a usucapião.
O conceito de afetação não exige a utilização contínua ou imediata do bem. Basta que o imóvel tenha potencialidade de vir a servir a uma finalidade pública. Assim, o STJ sustenta que a inércia administrativa ou o abandono temporário do bem não implicam em sua privatização ou na perda de seu caráter de bem público.
Ademais, na análise da colisão de princípios, como o direito à moradia e a supremacia do interesse público, o STJ tem reiteradamente afirmado a prevalência deste último, uma vez que a ordem jurídica brasileira está alicerçada no pressuposto de que os interesses da coletividade se sobrepõem aos interesses particulares. Essa supremacia é um dos pilares do regime jurídico administrativo, justificando a manutenção da proteção dos bens públicos, ainda que momentaneamente sem uso.
Portanto, a concepção de destinação pública que impede a usucapião de imóveis de sociedades de economia mista inclui não apenas os bens em uso efetivo, mas também aqueles que, embora inutilizados no presente, tenham potencial de afetação a finalidades públicas. A indisponibilidade do bem público e a prevalência do interesse coletivo são os fundamentos que sustentam esse entendimento, assegurando a proteção dos bens das sociedades de economia mista contra aquisições indevidas por particulares via usucapião.
RESUMO: Não há possibilidade de usucapião de imóvel afetado à finalidade pública essencial pertencente à sociedade de economia mista que atua em regime não concorrencial.
REsp 2.173.088-DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 8/10/2024, Dje 11/10/2024.