Vamos analisar a seguinte situação hipotética:
João, Secretário de Governo, teve sua assinatura falsificada em um Termo de Responsabilidade referente a um parcelamento do solo urbano em que figuravam como partes o Município e uma determinada Construtora, restando estabelecidas obrigações recíprocas para ambas as partes.
Houve o devido reconhecimento da firma pelo Tabelionato de Notas competente.
O Secretário instaura procedimento administrativo informando a situação à Procuradoria e solicita o ajuizamento de demanda judicial que torne sem efeito o documento assinado, ante a falsidade da assinatura.
Surge, então, a seguinte pergunta: em face de quem a demanda deve ser ajuizada? De quem é a legitimidade passiva ad causam?
De início, cumpre observar que não se desconhece a responsabilidade do tabelionato por todos os atos ilícitos praticados pelo Oficial ou serventuários, por culpa ou dolo, de acordo com o art. 28 da Lei 6.015/73:
Art. 28. Além dos casos expressamente consignados, os oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro.
Todavia, sendo o objetivo da ação meramente declaratório, de nulidade do documento (ou declaração de inexistência, debate que se circunscreve à seara do Direito Civil), ainda que por falsidade da assinatura constante do livro notarial, o interesse jurídico em discussão se circunscreve às partes diretamente envolvidas no negócio, não ao tabelionato que lavrou a escritura.
É que, por enquanto, pelo menos no quadro atual, se satisfaz o objeto da demanda com a declaração positiva da falsidade, ainda que sem atribuição de responsabilidade civil a quem quer que seja, pela prática de ato ilícito. Pode até haver eventual desdobramento, uma eventual repercussão futura, mas, no momento, a declaração de nulidade satisfaz o objeto da demanda.
Ademais, o interesse público que justifica o ajuizamento da demanda, de fato, se esgota na declaração de nulidade do documento, vez que eventuais repercussões de natureza indenizatória, ou de apuração de responsabilidade civil, se traduzem em nítido interesse particular do prejudicado.
Enfim, no momento, a litigiosidade se esgota com a declaração de nulidade do Termo de Responsabilidade e o desfazimento dos atos a ele relacionados, o que justifica a inclusão da Construtora no polo passivo, e somente ela, vez que o interesse jurídico em discussão se circunscreve às partes diretamente envolvidas no referido documento.
Assim já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA. INTERVENIÊNCIA DAS AUTORAS COMO ANUENTES. FALSIDADE DAS ASSINATURAS. PROCEDÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DOS VENDEDORES, TITULARES DO REGISTRO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO TABELIONATO. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO INDENIZATÓRIO. DENUNCIAÇÃO À LIDE AFASTADA. EFEITOS JURÍDICOS E ECONÔMICOS CIRCUNSCRITOS AOS ALIENANTES, PSEUDO INTERVENIENTES, E COMPRADORES. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. PROVA PERICIAL. SUFICIÊNCIA. CPC, ARTS. 130, 70 E 267, VI. LEI N. 6.215/73, ART. 28.
I. Não se configura o cerceamento da defesa se a peritagem teve acesso a elementos probatórios suficientes ao amparo de sua conclusão no tocante à falsidade das assinaturas das autoras, supostamente anuentes à escritura de venda do imóvel, inclusive em face de tardio pedido dos réus para que fossem trazidos à colação outros documentos para avaliação do expert, sobre os quais o saneador silenciara, com resignação dos recorrentes.
II. A legitimação passiva se dá em relação aos fatos narrados na inicial e ao pedido nela formulado, de sorte que em se tratando de ação declaratória que objetiva a nulidade de escritura de compra e venda e atos subseqüentes, devem figurar como réus os vendedores do imóvel, diretamente interessados e atingidos pela pretensão exordial.
III. O mesmo não acontece, todavia, quanto ao tabelionato onde lavrada a escritura nulificada, porquanto restrita a ação ao desfazimento do título aquisitivo, portanto com efeitos jurídicos a tanto circunscritos, sem qualquer pretensão, por ora, nem de investigação sobre os responsáveis pela falsificação, nem de postulação indenizatória por ato ilícito decorrente de dolo ou culpa.
IV. Recurso especial não conhecido. (REsp 173.247/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2002, DJ 10/03/2003, p. 219)
Assim, se no caso é postulada apenas a nulidade do documento, sem qualquer repercussão que diga respeito à responsabilidade civil, ou atribuição de culpa/dolo pela falsificação da assinatura, deve figurar no polo passivo quem, em tese, experimentaria prejuízo caso fosse declarada sua nulidade.
Trata-se de importante tema de Direito Processual Civil que pode ser questionado tanto em provas objetivas, quanto em eventual elaboração de peça processual, sendo primordial que o candidato indique corretamente quem deve figurar no polo passivo da demanda.