Já não é novidade a diferenciação imposta pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seus artigos 102, III e 105, III, no que tange à interposição dos recursos extraordinários (Extraordinário em sentido estrito e Especial), nos processos que tramitem perante os Juizados Especiais, sejam eles Cível, Federal ou da Fazenda Pública:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(…)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(…)
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
Assim, o Recurso Extraordinário é passível de interposição naquelas causas decididas por quaisquer órgãos jurisdicionais, desde que seja em única ou última instância. O Recurso Especial, por sua vez, apenas será passível de interposição quando a decisão for prolatada por Tribunal.
O entendimento está consolidado no âmbito do STJ e do STF, como se pode observar da redação dos enunciados das Súmulas abaixo transcritas:
Súmula 203-STJ: Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
Súmula 640-STF: É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.
Portanto, sempre se questionou qual seria a medida apropriada para combater uma decisão prolatada por Turma Recursal que contrariasse jurisprudência consolidada ou súmula do Superior Tribunal de Justiça, ante a impossibilidade de interposição de Recurso Especial no âmbito dos Juizados Especiais.
No que tange ao Juizado Especial Federal, o art. 14 da Lei 10.259/2001 tratou de esclarecer a celeuma no seguinte sentido:
Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
§ 1o O pedido fundado em divergência entre Turmas da mesma Região será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a presidência do Juiz Coordenador.
§ 2o O pedido fundado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da proferida em contrariedade a súmula ou jurisprudência dominante do STJ será julgado por Turma de Uniformização, integrada por juízes de Turmas Recursais, sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal.
(…)
§ 4o Quando a orientação acolhida pela Turma de Uniformização, em questões de direito material, contrariar súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça -STJ, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
(…)
Assim, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, será cabível a interposição do Pedido de Uniformização de Jurisprudência, a ser julgado pela reunião das Turmas em conflito (Turma Regional de Uniformização – TRU), se da mesma Região, ou pela Turma Nacional de Uniformização (TNU), se de regiões diferentes. E, por fim, se esta decidir de forma contrária à Súmula ou jurisprudência dominante do STJ, este dirimirá a divergência.
Nesse sentido, havendo instrumentos próprios para que se faça prevalecer o entendimento consolidado do STJ, não há que se falar no manejo da Reclamação Constitucional. Assim já entendeu o Tribunal da Cidadania em 2017:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ACÓRDÃO RECORRIDO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. Nos termos dos arts. 105, I, f, da CF e 187 do RISTJ, a reclamação destina-se a preservar a competência deste Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões. É um meio de impugnação de manejo limitado, que não pode ter seu espectro cognitivo ampliado, sob pena de se tornar um sucedâneo recursal.
2. No âmbito dos Juizados Especiais Federais, não é cabível reclamação diretamente contra decisão de turma recursal com a finalidade de discutir contrariedade à jurisprudência do STJ.
3. Há previsão legal de recurso específico contra acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal, qual seja, o incidente de uniformização dirigido à Turma Nacional.
4. Ao STJ somente competirá, em momento posterior, a análise de eventual divergência entre o acórdão da Turma Nacional de Uniformização com a sua jurisprudência dominante ou sumulada, acerca de questões de direito material.
5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt na Rcl 32.968/SP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 03/03/2017)
Por sua vez, os artigos 18 e 19 da Lei 12.153/09 assim orientam quanto ao Pedido de Uniformização nos Juizados Especiais da Fazenda Pública:
Art. 18. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas Recursais sobre questões de direito material.
(…)
§ 3º Quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.
Art. 19. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização de que trata o § 1o do art. 18 contrariar súmula do Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
A solução, aqui, é parecida com prevista para o JEF, com apenas um detalhe: o Pedido de Uniformização cabe, apenas, quando a decisão da Turma contrariar Súmula do STJ, não sendo possível sua tramitação nos casos de contrariedade ao entendimento consolidado.
Sob a mesma fundamentação outrora anunciada, o STJ também não admite o ajuizamento de Reclamação Constitucional contra acórdão prolatado por Turma Recursal dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.
Assim, caso o acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial da Fazenda Pública contrariar entendimento consolidado no âmbito do STJ não será cabível pedido de uniformização nem Reclamação (STJ. 1ª Seção. Rcl 22.033-SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 8/4/2015).
Por fim, a Resolução 03/2016/STJ inaugurou a possibilidade de ajuizamento de Reclamação Constitucional no respectivo Tribunal de Justiça quando houver divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do STJ consolidada: (1) em incidente de assunção de competência (art. 947, do CPC/15); (2) incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, do CPC/15); (3) julgamento de Recurso Especial Repetitivo; (4) Enunciado de Súmula do STJ e (5) Precedentes do STJ.
Antes da Resolução 03/2016 do STJ, a matéria era regulada pela Resolução 12 de 2009, a qual previa a possibilidade de ajuizamento da Reclamação no próprio STJ. Todavia, em razão do exacerbado número de Reclamações endereçadas à Corte Superior, a qual não possui estrutura para concentrar o julgamento de ações em Primeiro Grau de Jurisdição, ante sua natureza típica recursal, houve a delegação aos Tribunais de Justiça dos Estados, diluindo a competência que outrora era concentrada.
Entretanto, conforme preceitua o art. 988, caput e §1º, do CPC/15, a Reclamação tem como principais fundamentos preservar a competência do Tribunal e garantir a autoridade de suas decisões, competindo o julgamento ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir.
No caso ímpar da Resolução 03/2016 do STJ, foi inaugurada uma Reclamação sui generis, vez que a competência foi delegada para órgão judiciário distinto daquele que prolatou a decisão. Dito de outra forma, o Tribunal de Justiça deverá analisar o acórdão da Turma Recursal tomando como parâmetro decisão de outro tribunal, no caso, do STJ.
Assim, o único caso em que seria cabível o ajuizamento de Reclamação contra acórdão prolatado por Turma Recursal seria no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, nos termos da Resolução 03/2016 do STJ, ainda que se trate de uma Reclamação sui generis.